São Paulo, #!L#Sexta-feira, 04 de Fevereiro de 2000


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CINEMA - ESTRÉIA
Everett parece um personagem do século 19

GÉRARD LEFORT
do "Libération"

No cartaz do filme "Um Marido Ideal", de Oliver Parker, Rupert Everett está perfeito: moreno, bonito, vestindo smoking com uma flor vermelha na lapela, a firmeza do queixo e da boca formando um contraste com a expressão maliciosa de seus olhos escuros, como se pensamento e emoção fossem mantidos separados, cada um em sua esfera própria, por uma intervenção da vontade.
Resultado: quando encontramos esse homem ideal à nossa frente, em carne e osso, tememos que não seja tão perfeito assim. Ou seja: que Rupert Everett em pessoa não esteja à altura de lorde Arthur Goring, herói da peça mundana que Oscar Wilde escreveu em 1893 e que virou filme cem anos mais tarde. Mas, bastam alguns segundos em sua companhia, para que esse temor se dissipe. Everett dá a impressão de ter sido teletransportado diretamente da aristocracia londrina do final do século 19, tão cara ao humor de Wilde.
Vale notar que Everett teria integrado uma categoria própria: a do pensador libertino. O tipo de rapaz que seria capaz de desculpar-se (e, aliás, já o fez) por ser sério, e, ao mesmo tempo, ter a elegância de fazer você acreditar que é mais perspicaz do que ele.
Everett é elegante, a ponto de dar a impressão de estar dizendo que a moda é o que ele veste. É um verdadeiro dândi ao estilo Wilde, mais Dorian Gray (que já representou no teatro) do que lorde Goring, já que encarna a verdade de que a juventude não é um estado (ele tem 40 anos), mas uma arte.
Diante de tal paradoxo encarnado em homem, a boa educação exige que falemos de outra coisa senão aquilo a que viemos. Por exemplo: de James Bond, em cuja pele é fácil imaginá-lo. A sugestão, apesar de não ter sido feita com esse intuito, vem a calhar. Após seu fenomenal sucesso ao lado de Julia Roberts em "O Casamento de meu Melhor Amigo" (1996), Rupert Everett teve algumas idéias divertidas para um roteiro de James Bond que teria como título "P.S.: I Love You" e seria a história de um Bond homossexual. "Afinal", diz Everett, "é inconcebível que alguém de temperamento tão empreendedor quanto James Bond não faça de tudo: mulheres, é claro, mas homens também."
Essa deixa lhe permite começar a falar de homossexualismo, a começar pelo homossexualismo que acredita estar subjacente em "Um Marido Ideal". "A homossexualidade escondida de um dos personagens teria sido uma peripécia inútil. O que interessava a Wilde era mostrar como um herói político pode ser pervertido pela mentira e a ambição. A meu ver, é mais interessante do que sua possível homossexualidade."
Já a homossexualidade do próprio ator pode ser discutida livremente -ele nunca fez segredo disso. Em entrevista que concedeu em 1992, o ator revelou que, tendo chegado a Londres aos 15 anos de idade para estudar teatro, passou a vender seu corpo de maneira esporádica.
Num Reino Unido majoritariamente inglês e anglicano, a família Everett, apesar de ser burguesa (pai oficial, mãe dona-de-casa) se destacava por ser escocesa e católica. E, para reforçar esse aspecto minoritário, o jovem Rupert fez seus estudos num mosteiro beneditino. Mas, como manifestamente prefere a vida sonhada, fez dessa herança familiar o tema de um de seus livros, "Hello Darling", autobiografia que lhe foi encomendada por um editor quando tinha 26 anos e da qual fez uma colagem de verdades e mentiras: "Aos 8 anos eu já sabia que jamais seria uma grande atriz".
Quanto a seu outro romance, "Le Coiffeur de Saint-Tropez" (inédito na França), Everett o descreve como o retrato de um universo de dissipados que podem encontrar-se, da noite para o dia, na rua, sozinhos e arruinados. Se ele vive como um desses personagens? "Com certeza. Mas, agora que tenho um pé em Hollywood, pretendo aproveitar o fato, mesmo sabendo que não posso esperar grande coisa disso. Em Hollywood, os melhores papéis sempre são reservados aos atores de maior sucesso. Como fiz sucesso num papel gay, já me ofereceram dezenas de outros, e assim será até que todo o mundo se canse- eu mesmo em primeiro lugar."
O que ele gostaria de fazer? "Um pequeno filme ao estilo de Truffaut, romântico e destrutivo, em que eu passasse o dia todo transando com Béatrice Dalle". E por que não um personagem burlesco? "Você me superestima. Já estou dando o máximo de mim em matéria de humor. Se tentasse fazer mais, me tornaria sinistro."


Tradução Clara Allain


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