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São Paulo, terça-feira, 04 de fevereiro de 2003

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O segredo de dom Pedro 2º

Reproduções/Biblioteca Nacional
ITÁLIA Foto de Pompéia feita entre 1867 e 1873 por Michele Amodio, pertencente à coleção de Pedro 2º



Biblioteca Nacional finaliza restauro de fotos da coleção do monarca brasileiro, que inclui raridades


FABIO CYPRIANO
ENVIADO ESPECIAL AO RIO

Um segredo guardado há mais de cem anos, em cinco pequenas caixas, estará totalmente desvendado a partir deste mês. Termina agora em fevereiro o processo de restauração de 590 fotografias doadas pelo imperador d. Pedro 2º (1825-1891) à Biblioteca Nacional, no Rio, em 1891.
Elas fazem parte das 20 mil imagens deixadas pelo monarca e reunidas como coleção Thereza Christina, homenagem à sua mulher. As 590 fotografias, por ficarem guardadas enroladas dentro de cinco caixas de flandres, não podiam ser manipuladas, sob risco de se partirem e serem danificadas. Tal situação ocorreu pois a emulsão no papel fotográfico forçou as dobras e fez com que ele se dobrasse gerando as "enroladinhas", apelido criado na Biblioteca Nacional. As demais imagens estão esticadas, algumas reunidas em luxuosos álbuns.
Não se sabe o que levou as 590 fotos a serem preservadas nas caixas, mas graças a isso elas tornaram-se as imagens de melhor qualidade de todo o acervo. "A falta de iluminação e a ausência de poeira e manuseio fizeram com que essas imagens sejam perfeitas, como se estivéssemos frente a fotos recém-realizadas", afirma Georgina Staneck, coordenadora do acervo especializado da Biblioteca Nacional.
Desde a década de 80, um amplo projeto denominado Profoto busca a preservação do acervo de 40 mil imagens da Biblioteca Nacional. O reparo das "enroladinhas" faz parte do Profoto e está sendo realizado com o apoio do Instituto Cultural Banco Santos, que financiou a compra do equipamento para o processo. Desde agosto passado, as "enroladinhas" passaram a ser trabalhadas, sendo que cada imagem leva 30 dias para voltar à sua conformação inicial. As últimas ainda estão secando.
"Pretendemos agora organizar uma exposição que reúna, além das imagens restauradas, outras da coleção do príncipe Albert e da rainha Vitória, e ainda de imagens pertencentes ao czar russo Nicolau 2º, pois junto com d. Pedro 2º, eles foram os maiores colecionadores de fotos do século 19", diz Edemar Cid Ferreira, presidente do instituto que patrocinou o restauro. Segundo Cid Ferreira, o novo diretor da Biblioteca Nacional, Pedro Corrêa do Lago, já foi informado do projeto e está de acordo com a organização da mostra, que deve ocorrer ainda neste ano.
D. Pedro 2º foi de fato um aficionado pela fotografia, dada a quantidade de imagens doadas à Biblioteca Nacional. A questão que as "enroladinhas" suscita é por que elas teriam sido guardadas separadas nas caixas. Seriam fotos menos apreciadas pelo imperador, por exemplo?
"Não creio. É preciso lembrar que d. Pedro 2º teve, em 1889, 24 horas para deixar o país e sabe-se lá como foi a organização de seus pertences no fim do Império", diz Jayme Spinelli, responsável pelo setor de preservação da Biblioteca Nacional. A doação ocorreu dois anos após a saída de d. Pedro 2º do país.
Desconhecidas as razões da guarda em separado, resta saber o que revelam, hoje em dia, as "enroladinhas", agora que deixaram o estado em que permaneceram por mais de cem anos.
A primeira surpresa foi a descoberta de uma foto colorizada, do Japão. "Ela é única entre as 20 mil da coleção, uma preciosidade, e não sabemos ainda qual processo permitiu o aparecimento da cor", afirma Spinelli.
As características técnicas das fotos têm também valor relevante. "A qualidade das imagens é excelente. Como a fotografia em papel albuminado permite um ótimo contraste e elas estão como novas, podemos observar detalhes que as outras da coleção não permitem", diz Spinelli.
Finalmente, certos conjuntos revelam o testemunho visual do século 19 segundo os melhores fotógrafos da época. É o caso, por exemplo, das 54 fotos da igreja de São Francisco de Assis, na Itália, destruída, em 1997, por um terremoto. Entre as imagens, realizadas pelo estúdio Lunghi, estavam registros de afrescos de Giotto, que já não existem mais.
Outro conjunto significativo é o do fotógrafo italiano Michele Amodio, de Pompéia, com 20 imagens. "O domínio da técnica de Amodio é surpreendente, pois quando há uma pessoa na imagem, isso significa que ela ficou pelo menos 15 minutos sem se mover, pois era o tempo necessário para o registro no papel fotográfico", diz Staneck.
Quando as pessoas moviam-se durante o processo de registro, elas tornavam-se "fantasmas", como definem os pesquisadores. Várias fotos da coleção apresentam esse efeito, como as do fotógrafo francês Pascal Sebah, um dos mais valiosos.
Entre os destaques, encontram-se ainda o francês Felix Bonfils, com imagens da Síria e do Egito, país por onde o imperador passou, e do italiano Antonio Beato, também sobre o Egito. Esse último conjunto é o mais numeroso entre as imagens restauradas: são 111, o que demonstra o grande interesse de d. Pedro 2º pelo Oriente, assim como o faziam seus colegas "reais" do período. A diferença é que o imperador trazia especialmente imagens, enquanto seus pares estrangeiros saqueavam bens culturais inteiros.

O jornalista Fabio Cypriano viajou a convite do Instituto Cultural Banco Santos


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