São Paulo, sexta-feira, 04 de fevereiro de 2005

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CRÍTICA

Longa atola no conformismo

BRUNO YUTAKA SAITO
DA REDAÇÃO

No vinho está a verdade, diziam os antigos. Ao menos, na vida do fracassado professor de meia-idade Miles (Paul Giamatti), de "Sideways - Entre Umas e Outras". É também na bebida onde Alexander Payne encontrará sua metáfora para os reveses da existência humana.
Homem pessimista, Miles dará um presente para seu amigo e oposto Jack (Thomas Haden Church), também de meia-idade, que está prestes a se casar: uma viagem de carro, "última semana de liberdade", pelos vinhedos da Califórnia. "Road movie" em registro dramático-cômico.
Payne retoma a estrada de seu filme anterior, "As Confissões de Schmidt", e a infelicidade que brota na maturidade de seus personagens para descortinar o outro lado de um país obcecado pela vitória. Miles é o homem introvertido que esconde sua mediocridade -não consegue superar o divórcio nem abraçar a carreira de escritor- sob camadas de arrogante erudição sobre vinhos; Jack, um ator de quinto escalão.
Ao tema "engrandecedor", Payne faz de seu filme o reflexo cinematográfico das promessas e da simbologia da matéria-prima da indústria do turismo. Sua vida anda ruim? Coloque o pé na estrada e dê uma nova chance para você mesmo -nos extensos percursos, a vida pode recomeçar.
É uma América parecida com aquela que fez seu mea-culpa em "Beleza Americana", para deleite do Oscar. Some-se a isso as "mensagens" de Payne, que são mastigadas para o público. O vinho tem um tempo próprio para atingir seu apogeu; quando passa do ponto, há apenas decadência, lembra uma personagem. Miles parece nunca ter atingido o seu apogeu; mais do que enólogo, é um mero beberrão.
No entanto, "Sideways" é atolado em um olhar conservador e conformista, mais do que realista, ao acolher e justificar essa realidade comezinha. Payne acredita na ilusão, na incapacidade de parte da população em viver o presente. A felicidade, no filme, está sempre em um lugar distante, intocável -em projeções do passado ou no futuro-, assim como o amor é mais um investimento capitalista -mera moeda de troca, na qual fulano deve ser a tábua de salvação do outro- e menos um sentimento. Mais fácil do que mudar de vida parece ser esperar pelos sonhos de transformação das próximas férias ou do Ano Novo.


Sideways - Entre Umas e Outras
Sideways
  
Direção: Alexander Payne
Produção: EUA, 2004
Com: Paul Giamatti, Thomas Haden Church, Virginia Madsen e Sandra Oh
Quando: a partir de hoje nos cines Espaço Unibanco, Jardim Sul e circuito


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