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LIVROS
ROMANCE
Novo livro do autor de "A Praia" acompanha vida de homem inconsciente
Em "Coma", Alex Garland mistura delírio e realidade
ALEXANDRE MATIAS
COLABORAÇÃO PARA A FOLHA
Do mesmo jeito que com uma
ruptura violenta em um paraíso
terrestre Alex Garland atingiu seu
grande momento literário, ao
amarrar seu novo protagonista a
si mesmo o autor inglês parece caminhar para um beco sem saída,
mas não do ponto de vista literário. Ao deixar os conflitos exteriores de seus dois primeiros livros
fora do horizonte, Garland e o pai,
Nicholas, embarcam numa viagem sem volta em "Coma", que
acaba de sair no Brasil.
A história é simples e o tema é
quase clichê: Carl sai tarde do trabalho e toma uma surra ao se meter numa tentativa de assalto. Entra em coma. A partir daí, imagina
alternar momentos de consciência e vazios de razão, e a discussão
reverte-se nas diferenças entre sono e despertar, fatos e lembranças, vida e morte.
Garland opta por uma estética
enxuta, deixando maneirismos filosóficos e intelectuais de lado para discutir a existência, a natureza
da consciência e os limites entre
ser e não ser usando exemplos
corriqueiros, como a lembrança
dos pais, um perfume conhecido,
uma loja de livros, uma música
antiga (no caso, "Good Golly Miss
Molly", de Little Richard). Contado em capítulos curtos, por vezes
mínimos, o ritmo do livro se choca diretamente com o não-ritmo
de um coma, o não-movimento
contínuo.
Pontuando os capítulos estão 40
xilogravuras feitas pelo pai de
Alex, o ilustrador Nicholas Garland, do jornal "Daily Telegraph".
Escuras, elas são enormes janelas
de tinta preta que apontam para o
nada e tentam, como Carl, emoldurar alucinações e sonhos para
apegar-se à alguma realidade -e
saber se o coma, afinal, terminou.
A morbidez sóbria das ilustrações, que distorce minimamente
o caminho não-linear percorrido,
tem um parentesco improvável
com os quadrinhos negros do
brasileiro Lourenço Mutarelli.
Diferente do livro de estréia do
autor, o aclamado best-seller "A
Praia", "Coma" mergulha num
abismo em que até as emoções
tornam-se incertas e os olhos
nunca parecem estar abertos.
Garland, que se envolveu com o
mesmo trio dos filmes "Trainspotting" e "Cova Rasa" (o diretor
Danny Boyle, o roteirista John
Hodge e o produtor Andrew
McDonald) na adaptação de seu
primeiro livro para as telas, em
2000, pegou gosto pelo cinema e
colaborou na adaptação de seu segundo livro, "O Teressacto" (dirigido pelo cineasta de Hong Kong
Oxide Pang Chun, em 2003), além
de criar uma história original para
o filme seguinte de Boyle, "Extermínio", de 2002.
"Coma", com suas extraordinárias imagens simples, prova-se
uma adaptação um pouco mais
difícil, com o risco de perder momentos cruciais da leitura, como
o vento no parapeito de um prédio, a sensação de transparência,
um cômodo "sentido" em vez de
visto, o mergulho no vazio, a perda da razão. Percorrer essas passagens dão ao curto livro um ritmo tenso e familiar, que torna
possível deschavar a obra em menos de uma hora num sofá de megastore -e esquecer, por completo, tudo ao redor.
No entanto, é na modalidade
clássica da atividade leitora (sozinho, de noite, em casa, um abajur) que "Coma" mostra-se forte.
Num mundo hiperlinkado, de comunicadores móveis e exibicionismo histérico, o objeto livro pede que seu usuário entre em seu
coma pessoal e desconecte-se do
dito "real" para mergulhar em si
mesmo.
Coma
Autor: Alex Garland
Editora: Rocco
Quanto: R$ 24 (160 págs.)
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