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FERREIRA GULLAR
Revanche
Vivemos uma espécie de revanche da revolução cubana, que resultou na derrocada das esquerdas e em regimes militares
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TENHO ÀS vezes a impressão de
que as pessoas esquecem a influência que a Revolução Cubana exerceu sobre o processo político da América Latina, particularmente nos anos 60 e 70.
E, se falo nisso agora, é porque me
ocorreu que estamos vivendo uma
espécie de revanche daquelas disputas, que resultaram na derrocada
das esquerdas e na implantação de
regimes militares em vários países.
Os feitos heróicos daquele punhado de jovens liderados por Fidel
Castro levaram as esquerdas latino-americanas a acreditar que, enfim,
havia sido deflagrado o processo revolucionário que conduziria inevitavelmente ao socialismo.
Tal entusiasmo levou-as a avaliar
mal o poder das forças sociais contrárias àquele objetivo, que adquiria
significação particularmente inquietante no contexto internacional
da época -o da Guerra Fria- que
contrapunha o sistema socialista ao
capitalista.
Naquele contexto, as esquerdas
que, no Brasil e em outros países,
clamavam pela reforma agrária e
por medidas antiimperialistas, identificavam-se com reivindicações
fundamentais e legítimas da sociedade. Por isso mesmo, os regimes
militares, que se implantaram então, compreenderam a necessidade
de promover o desenvolvimento e
atacar os problemas sociais mais urgentes, ao mesmo tempo que reprimiam com violência os adversários.
Alguns desses governos militares
lograram equilibrar a situação econômico-financeira e mesmo atingir
considerável grau de crescimento,
durante algum tempo, como ocorreu no Brasil e no Chile.
Não obstante, as desigualdades
não foram eliminadas e, por isso
mesmo, concorreram para o desgaste desses governos, carentes de legitimidade institucional.
Mas o fim das ditaduras e o conseqüente retorno à democracia não
conduziram ao poder os líderes e os
movimentos de esquerda, que se tinham destacado na luta contra os
militares. No Brasil, com a morte de
Tancredo, assumiu José Sarney,
substituído por Fernando Collor,
que nenhum papel desempenhara
na luta contra o regime autoritário.
Com uma pregação moralista e
modernizante, conseguiu eleger-se,
mas, sobretudo, porque seu adversário era Lula, um Lula radical, que
assustava a maioria do eleitorado.
Collor, acusado de corrupção, teve
que passar o governo a Itamar
Franco.
A essa altura, a inflação alcançava
níveis assustadores, o que obrigou
uma mudança drástica da política
econômica, dando origem ao Plano
Real, que elegeria Fernando Henrique Cardoso presidente da República. Este aprofundou a reforma econômica, plantou as bases de uma estabilidade que se manteve até as vésperas da eleição de 2002, quando finalmente Lula alcançou a presidência do país.
Sim, mas não o Lula feroz das eleições anteriores, pois ele terminara
aprendendo que, se mantivesse o radicalismo de antes, jamais seria eleito. De qualquer modo, chegava ao
poder um líder cuja atuação, em sua
origem, inspirara-se no exemplo cubano, do mesmo modo que sua barba e a de seus companheiros inspirou-se nas barbas de Fidel Castro.
Em vários países latino-americanos, naquela época, adotara-se a política econômica, apelidada de neoliberal: a política das privatizações, do
superávit primário e dos juros altos
para conter a inflação. Naqueles países, como aqui, essa política não foi
capaz de reduzir satisfatoriamente
as desigualdades sociais, de erradicar a pobreza nem de fazer a economia crescer nos níveis necessários
para lhe dar sustentabilidade.
Nos países onde a pobreza é maior
e a desigualdade mais aguda, os herdeiros de Fidel chegaram ao poder
com um discurso antiamericano,
bem próprio dos anos 60-70. Mas, se
o discurso é desaforado e radical, a
prática se mantém dentro dos limites do regime capitalista, contra o
qual, ao contrário do que ocorria naquela época, ninguém se posiciona.
São todos contra Bush e contra a
prepotência norte-americana, mas
não se ouve nenhum deles clamar
contra o capitalismo, o que nos leva
a imaginar que, no seu entender, há
dois tipos de capitalismo: um mau,
que é o norte-americano, e um outro, bom, a favor dos pobres, que pode até ser chamado de "socialismo
do século 21".
Mas o que legitima os novos líderes é a explícita determinação de,
com a maior rapidez possível, reduzir a desigualdade. Pode ser que as
medidas estatizantes por eles adotadas assustem os investidores e retardem a redução da pobreza, mas o
avanço nessa direção, com pressa ou
sem pressa, é, ao que tudo indica,
irreversível.
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