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Os solitários famintos
Marcelo Justo/Folha Imagem
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Le Marais r. Jerônimo da Veiga,30,Itaim Bibi,tel.0/xx/11/3071-2873
JOCA REINERS TERRON
ESPECIAL PARA A FOLHA
No sábado passado fui jantar no Le Marais sem nenhuma esperança de encontrar
Chico Buarque caminhando
por lá, pois sabia que -apesar dos comoventes esforços
dos restaurateurs- o Itaim
ainda não é o bairro francês
predileto de nove entre dez
nobres (nem que sejam da
música plebeia).
Não ver o lépido Chico naqueles corredores estreitos
foi alívio e desconsolo simultâneo. Como o espaço entre
as mesas não era bem o de
uma rodovia Ayrton Senna,
alta velocidade não convinha
ao salão. Por outro lado, escassos papos salutares eram
entreouvidos de mesas perigosamente vizinhas.
É evidente que não sou a
versão gourmet de J.D. Salinger. Abstenho-me ao menu, sorrindo às crianças recalcitrantes ao lado. Dou
boa noite às senhoras engasgadas sem perder a altivez por não obter respostas. Exibo espírito gregário e solar, mesmo não estando na Grécia e sendo de noite.
Ao chegar ao Le Marais,
portanto, abanquei-me na
mesa disponível para solitários famintos, alongando a
espinha no sofá vermelho que cheirava a couro novo.
No teto, o belo vitrô teve sua
missão de iluminar o ambiente eclipsado pelo cardápio plastificado de lanchonete que me era oferecido.
Não me deixei abater pelo
contraste kitsch e -optando
pelo abatimento alheio- apontei o entrecôte.
Enquanto aguardava,
maravilhei-me com uma
encarniçada competição
entre dois jovens casais
bronzeados (certamente
por desavisada exposição à
neve alpina). Entre patos e
outras aves de longa distância, os quatro decidiam
quem entre si reunira maior número de milhagens nas
férias recém-encerradas. Para minha sedentária infelicidade, o espírito olímpico
berrou acima da zoeira geral e a contenda não acabou em guerra de crème brûlée.
Foi então que o garçom interrompeu minha bisbilhotice de escritor com meu pedido. Espremido entre
duas mesas maiores e baixando cotovelos para não
desferir golpes mortais
nas costelas de ambos os lados, sucumbi ao júbilo da carnificina até nova interrupção.
Alternando dedinhos para
cima como num corso carnavalesco e aos gritos, minha vizinha sobrepujava a
surdez do sogro logo adiante, convidando-o a passar o
Carnaval em Miami: "Vamos, vovô, as crianças vão
adorar!" Pisquei para o velho, buscando lhe soprar a
resposta ("Prefiro não fazê-lo"). Foi tarde: ele aceitou.
JOCA REINERS TERRON é autor de "Sonho Interrompido por Guilhotina", entre outros
livros.
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