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Compilações geram acomodação nos anos 90
da Reportagem Local
Gravadoras e artistas parecem
trabalhar em comum acordo nestes anos 90. As primeiras dizem
que precisam da certeza que os
anos de estrada proporcionam para lançar compilações ao vivo de
seus artistas; esses se acomodam
no formato e multiplicam seus
rendimentos sem grandes cargas
de esforço criativo.
É curioso notar que isso é uma
tendência relativamente recente,
ao menos no Brasil. Nos 60 e 70,
disco ao vivo era outra história.
Um marco fundador da história
"ao vivo" da MPB pode ser encontrado em "Rosa de Ouro"
(65), registro sem equivalente de
estúdio dos primeiros passos de
Clementina de Jesus e Paulinho da
Viola (esse como mero coadjuvante) no mundo do mercado.
Naqueles tempos, Maria Bethânia, Elizeth Cardoso, Nara Leão,
Elis Regina e Jair Rodrigues lançavam discos quase totalmente inéditos -o que, mais que aplausos
ou "calor", justificava suas colossais deficiências técnicas.
Nos 70, também no universo
"ao vivo", os tropicalistas tomaram conta do cenário. Caetano,
Gil e Gal lançaram trabalhos que
em nada se aproveitavam de seus
esforços de estúdio.
"Fatal" (Gal), "Temporada de
Verão ao Vivo na Bahia" (Caetano, Gal e Gil), "Ao Vivo" (Gil),
"Doces Bárbaros" (Caetano, Gal,
Gil e Bethânia) eram álbuns inéditos, tanto quanto vigorosos.
À mesma época, Maria Bethânia
se firmava como cantora de palco
por excelência, engrandecendo
um formato incomum (muitas e
curtíssimas canções interligadas
sem interrupção) em pérolas como "Rosa dos Ventos", "Drama
3º Ato" e "A Cena Muda".
Os encontros eram também razão de ser das sofríveis gravações
ao vivo. O show de despedida de
Caetano e Gil do Brasil, rumo ao
exílio, foi registrado em "Barra
69" (só lançado em 72, de tão indigente que era tecnicamente).
Todos se relacionavam. Cantaram juntos Caetano e Chico, Chico e Bethânia, Bethânia e Caetano,
Gil e Rita Lee, sempre com repertórios que davam voltas ao redor
do óbvio. Pode-se dizer que do
atrito se produzia o fogo que ia incendiar trabalhos de estúdio.
Em 1972, Jorge Mautner fez sua
estréia com "Para Iluminar a Cidade", disco ao vivo só de músicas que o Brasil não conhecia.
Abria-se aí um flanco para os
"malditos" e "independentes".
Por essa linha passaram Itamar
Assumpção, Cida Moreira (nos
80), Jards Macalé, Rumo, Titane,
Chico César (nos 90).
No meio termo entre o mainstream e o "maldito", Novos Baianos e o quarteto Zé Ramalho/Geraldo Azevedo/Alceu Valença/Elba Ramalho saem da linha dos 90 e
fazem da união a força para revigorar carreiras não tão estáveis.
De resto, dos 80 em diante, tudo
se estabilizou. Houve os documentários de artistas de comprovado polimento de palco -João
Gilberto, Jorge Ben Jor, Baby Consuelo, Cássia Eller- e os daqueles
que quiseram porque quiseram ter
também seus "ao vivo".
O rock entrou no circuito -Lobão, Marina, Titãs, Paralamas,
RPM. A MTV entrou no páreo tornando infalível a fórmula "unplugged". Marisa Monte tornou-se exceção da exceção, estreando ao vivo por uma major e
intercalando com disciplina (até
agora) discos ao vivo e em estúdio.
Em "Barulhinho Bom" (96)
-apesar do CD 2, de estúdio, que
acompanha o pacote-, tudo já se
adequara à facilidade do formato
"disco que antecede show que antecede disco ao vivo", que hoje
domina a cena e vende como água.
A coisa desemboca, agora, em
"Quanta Gente Veio Ver" (oh,
trocadilho indizível), de Gil, CD
que se perde pela redundância.
Vem de um show que é um primor de competência e eficiência,
apenas para macular sua lembrança. Em disco, "Quanta" encolhe
virtudes -o apuro técnico, o entrosamento dos músicos- enquanto amplifica defeitos.
A outrora gigantesca voz de Gil
aparece mais combalida que nunca, as tentativas à Black Rio da
banda parecem insuficientes, canções novas ("Quanta", "Pela Internet") revelam-se mais frouxas
que pareciam, os clássicos ("Refavela", "Cérebro Eletrônico")
se avexam até diante dos acústicos
de 1994, uma hedionda sessão Bob
Marley infesta parte do CD.
Salva o embrulho o quinhão
"tecnocarnaval", de três faixas
inéditas "dirigidas" pelo neotecno Lulu Santos. Não são nenhum
Chemical Brothers, mas dão lavada na turma do axé ("Livro", do
outro baiano, incluso).
Enquanto isso, Caetano, Paulinho, Cássia Eller, Rita Lee, Milton
e outros tantos se esbaldam na
maximização do processo de criação disco/show, multiplicando as
cédulas como se multiplicam as
versões de "Sampa" e "Palco".
O tempo em que poderiam estar
absorvidos com criação é gasto na
turnê do disco do show da turnê
do disco. E cada vez mais o consumidor tem de ouvir, ao fim de cada álbum: "Por que parou? Parou
por quê?". Sabe Deus.
(PAS)
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