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GASTRONOMIA
A própria experiência
NINA HORTA
COLUNISTA DA FOLHA
A cabei de ler o livro de memórias da Jancis Robinson, a
inglesa de mais credibilidade no
mundo dos vinhos, a loira famosa, condecorada pela rainha, que
esteve aqui durante o festival
Mais.Paladar, conduziu experimentações, bebeu, provou, deu
palpite, fez admiradores que logo
se inscreveram no seu ótimo site
www.jancisrobinson.com.
O livro "Tasting Pleasures, Confessions of a Wine Lover" serve
tanto para os mais entendidos como para os mais perfeitos inocentes, principalmente porque é bem
escrito. A autora é fluente, engraçada e nos dá de bandeja a sua vida -sempre relacionada com vinhos: viagens, gentes, safras, paisagens, comidas. Experimenta vinhos, mas também os bebe com
prazer à volta da mesa com os
amigos.
Pesquei uma coisa que achei interessante, que é a opinião dela
sobre aqueles que escrevem sobre
a mesma matéria. Uma vez foi
convidada a fazer o perfil de Robert M Parker Jr, o poderoso crítico de vinhos, americano. Ele começara em 1978 uma "newsletter"
que se tornara uma publicação
tão importante e séria que era capaz de mudar os caminhos do
mercado do vinho americano. Na
verdade, a diferença que introduziu foi a pontuação dos vinhos, as
notas até 100, coisa então impensável do ponto de vista britânico.
Os comerciantes americanos diziam: "Se Parker dá 85 pontos a
um vinho, ninguém compra. Se
dá mais que 90 não se pode comprá-lo".
O que mais impressionou Jancis
foi a capacidade de trabalho do
homem. Era seguro, parecia não
ter dúvida alguma e se interessava
muito pouco pelo contexto humano e geográfico de um vinho.
O seu trabalho era o de se postar
diante das taças e garrafas, beber,
ter uma reação, e expressá-la em
pontos. Cem experimentações
por dia, o que pode ser um esforço absurdo.
Jancis classificou-o como um
crítico de vinhos, e ela própria como escritora de vinhos. Trabalhador e talentoso ele era. O resto não
seria arrogância? Com o tempo
viu que se enganara. A mola que o
movia era a indignação. Ele se
conscientizara de que era o único
defensor do consumidor de vinhos da América. Os outros cozinhavam "releases" publicitários.
E ele, como fruto da geração de
Ralph Nader, passou a lutar por
seus princípios.
O que incomodou Jancis -que
o acompanhou em degustações- foi ver, que seguro como
era, tinha, como todo mundo,
suas preferências, e ela percebeu
uma tendência dos produtores a
fazerem o vinho-do-jeito-que-Parker-gostava, sem respeito à
origens geográficas. O talento de
Parker estava levando o mundo à
parkerização, à uniformização, à
padronização do vinho.
Os críticos ingleses, à certa altura, se irritaram contra o sistema
de pontos, mas estavam em flagrante discordância com o consumidor que adorava esses números que os guiavam.
Qual seria a diferença entre o
crítico americano e a própria Jancis, pôs-se ela a pensar.
A diferença maior é que ela queria educar o público, tirá-lo da
condição de carneirinhos. Seu objetivo era instigar os leitores a fazerem escolhas baseadas nas suas
próprias referências.
Jancis supõe que dificilmente a
Inglaterra produziria um Parker,
devido aos traços autodepreciativos e irônicos dos ingleses. E a sua
luta, através de livros, viagens,
programas de TV, tem sido essa, a
de induzir o consumidor a escolher por si só, por achar que impressões de gosto estão mergulhadas no sistema nervoso e é difícil extraí-las e compará-las objetivamente entre duas pessoas diferentes.
O mais perto que chegamos é
inventando analogias, como gosto de terra molhada e torrada
queimada (quem se abalaria a sair
de casa e comprar um vinho com
esses sabores?).
Ela, a Master of Wine inglesa dá
as dimensões mais quantificáveis
do vinho, mais fáceis de serem
medidas como teor alcoólico, acidez, doçura residual, graus de taninos, dimensões úteis ao comprador em potencial. O importante é o estilo, o corpo do vinho, e
só com nossa experimentação é
possível acabar com a longa lista
de semelhanças a violetas umedecidas e groselhas verdes.
De todo jeito, ela consegue fazer
de memórias que poderiam ser
tão monótonas, histórias de uma
inglesinha atrevida, bebendo a
mais não poder, um livro bom,
ótimo, eu diria, concluindo que o
crítico de vinhos tem uma profissão tão abençoada, unindo prazer
e trabalho, que deve se beliscar toda manhã para ver se tudo que lhe
acontece é real. Com o que concordamos.
TASTING PLEASURES, CONFESSIONS
OF A WINE LOVER.
Autora: Jancis
Robinson. Quanto: R$ 40. Onde
encontrar: www.amazon.com.
@ - ninahort@uol.com.br
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