São Paulo, domingo, 04 de março de 2007

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BIA ABRAMO

Consumo televisivo neutraliza a tragédia


O depoimento adquiriu a textura mais rala do entretenimento e da sentimentalização

"A QUE ponto chegamos?", perguntava-se o personagem Lucas, numa cena destes últimos capítulos de "Páginas da Vida" (sim, esta coluna vai se desdizer e voltar a falar da novela que acabou de acabar). Pois é mesmo o caso de se fazer essa pergunta depois que os pais de João Hélio apareceram nos depoimentos finais da novela na última terça-feira.
Qual é, exatamente, o sentido desses depoimentos que encerram cada capítulo? Eles aparecerem depois que a última cena da novela congela e dá lugar a imagens estáticas de cenas do capítulo seguinte; em seguida, aparece uma moldura colorida e, dentro dela, uma pessoa começa a contar uma história.
A intenção é provocar a continuidade entre a ficção e a realidade, avalizando aquilo que aparece na trama (uma vez que as histórias reais são tão cabeludas quanto as da ficção). Só que, nessa operação de aproximação entre os dois universos, o depoimento acaba contaminado, adquirindo a textura mais rala do entretenimento e da sentimentalização.
O crime do qual João Hélio foi vítima é grave demais para ser submetido às operações neutralizadoras do entretenimento. Se realmente se quer provocar alguma discussão relevante na sociedade brasileira a partir desse episódio, seria melhor deixá-lo preservado dos mecanismos do consumo televisivo.
Além disso, não se pode, em momento nenhum, esquecer que o depoimento em questão foi exibido ensanduichado entre dois programas cuja expectativa de audiência é enorme: os últimos capítulos da novela e o "BBB7" em dia de paradão. Em tese, isso aponta para uma "boa intenção": aproveita-se a audiência que está lá mesmo, esperando para ser divertida pela novela e pelo "reality", e não a deixa esquecer da tragédia. No fundo, o que ocorre é o oposto: a pílula amarga de realidade não deixa a peteca da audiência cair e, de quebra, fornece o travo para o público continuar consumindo o açúcar do entretenimento sem culpas.
 
E o "BBB7", hein? O paredão entre Íris e Alemão foi para lá de interessante. Não pela disputa em si, mas pela visível decepção que esse paredão antecipado provocou na produção do programa. Pedro Bial, habitualmente tão senhor de si, não sabia o que perguntar para os participantes do programa e, eles mesmos, com caras desenxabidas, adivinhavam o tédio que viria. Sem o tal do triângulo, situação que criava uma tensão divertida no programa, trata-se agora de demonizar o caubói -o que não vai exigir muito esforço.


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