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Piva volta com pesadelo
delirante de São Paulo
Reprodução
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Foto de Wesley Duke Lee |
Marco da poesia paulistana dos anos 60, "Paranóia", de Roberto Piva, ganha nova edição, feita pelo Instituto Moreira Salles
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BRUNO ZENI
da Redação
Um clássico da poesia paulistana, esgotado desde os anos 60,
volta a circular no próximo mês.
"Paranóia", de Roberto Piva, será
relançado no dia 13 de abril, em
edição do Instituto Moreira Salles
que reproduz o livro original,
ilustrado com 76 fotos de Wesley
Duke Lee.
"Paranóia" (Massao Ohno,
1963) é uma sucessão de pesadelos e visões terríveis de uma São
Paulo erotizada e, ao mesmo tempo, desumana.
A publicação do livro valeu a Piva a inclusão de seu nome no
"Dictionnaire Générale du Surréalism", de Adam Biro e René
Passeron. André Breton, mentor
do movimento surrealista, publicou uma resenha de "Paranóia"
em sua revista "Bréche".
Mas o reconhecimento de sua
poesia não fez de Piva um nome
de destaque na literatura brasileira. O poeta trilhou um caminho
periférico: seus estudos de ocultismo, ufologia e xamanismo o
mantiveram afastado das rodas literárias.
Além do alento que significa a
reedição de "Paranóia", a poesia
paulistana da década de 60 deve
ganhar também as telas de cinema. Ugo Giorgetti ("Sábado" e
"Boleiros") prepara um documentário sobre essa geração de
poetas (leia texto à página 5-3).
Leia a seguir trechos da entrevista que Roberto Piva concedeu à
Folha.
Folha - Por que seu primeiro livro se chama "Paranóia"?
Roberto Piva - "Paranóia" é um
imenso pesadelo. Transformei
São Paulo em uma visão de alucinações. Apliquei o método paranóico-crítico criado por Salvador
Dalí: o paranóico se detém num
detalhe e transforma aquilo numa
explosão de cores, de temas, de
poesia. Fiz isso, mas apenas seguindo a intuição e a inspiração.
Folha - Como surgiu a idéia de
incluir as fotos de Duke Lee?
Piva - O jornalista Thomaz Souto Corrêa foi quem me apresentou a Wesley Duke Lee. O Wesley
ficou tomado pelos poemas. Saiu
por São Paulo fotografando especialmente para o livro. "Paranóia"
esgotou em duas semanas e, desde então, ficou como um mito,
parado no ar.
Folha - Não se pensou em fazer uma nova edição do livro?
Piva - Não, porque é um livro
muito caro, por causa das fotos e
do formato. E, depois, eu fiquei
um pouco afastado. Depois do
"Paranóia", publiquei "Piazzas",
em 1964, e fiquei uns 11 anos sem
escrever, até publicar "Abra os
Olhos e Diga Ah!", em 1975.
Folha - Por que você ficou tanto tempo sem escrever?
Piva - Porque escrever é um
desgaste muito grande. Eu tenho
de cair na vida, entre um livro e
outro, para recolher experiências,
para poder transformar alquimicamente a matéria-prima em pedra filosofal. Eu sou um curandeiro das palavras.
Folha - Na época você já se interessava por xamanismo?
Piva - Eu fui iniciado na piromancia aos 12 anos de idade por
um mestiço de índio com negro.
Em 1961, comprei o "Xamanismo
e as Técnicas Arcaicas do Êxtase",
do (mitólogo romeno) Mircea
Eliade. Fiz leituras desse livro com
Cláudio Willler, Antonio Fernando de Franceschi, Rodrigo de Haro. Ficamos impressionados com
as palavras do Eliade. Pesquisei
candomblé, umbanda, xamanismo, fui iniciado no catimbó, tomei vinho de jurema e tudo. É
uma experiência espiritual ampla.
Aplico então as técnicas arcaicas
do êxtase -que é a definição de
xamanismo de Mircea Eliade-
na poesia. Isto é, seguir o seu êxtase, a sua intuição, o seu maravilhar-se. É o maravilhoso cotidiano de que falava o Breton.
Folha - Como era a São Paulo
da década de 60?
Piva - Já era degradada. Eu não
gostava muito de São Paulo, nunca gostei muito de cidades. Pra
mim, toda metrópole é uma necrópole, um vasto cemitério. O
homem é o único animal que armazena os seus mortos.
Folha - Qual o lugar do "Paranóia" na tradição literária brasileira? É um livro tributário do
"Paulicéia Desvairada", de Mario de Andrade?
Piva - É algo à parte. Na época
do lançamento, havia os concre-tistas de um lado e os comunistas
do outro. Eu não dei bola para nenhuma dessas vertentes e parti
para minha linhagem, da poesia
universal magmática, influenciada pela geração beat e pelo surrealismo. Mas sem fazer disso uma
carteirinha. No "Paranóia", há
um intertexto com o "Paulicéia"
no poema "No Parque Ibirapuera", mas é só nesse poema.
Folha - Seus últimos livros, como "Ciclones" (Nankin), abandonam o tema do urbano, que
domina "Paranóia".
Piva - O tema do urbano me
cansou. Como eu disse, toda metrópole é uma necrópole. Não sou
xamã de cemitério.
Folha - Você se considera um
poeta ecologista?
Piva - Eu não gosto dessa palavra, que é comprometida com essa coisa de salvar foquinha, galinha, pato. Para mim, onde não
existe a onça pintada, é jardinzinho. Onde não existem os grandes predadores, o ecossistema está degradado.
Folha - O que é a poesia para
você?
Piva - Poesia é iniciação, uma
linguagem hermética. Os primeiros poetas eram xamãs e curandeiros, assim como o teatro na
Grécia antiga era um teatro de cura. Penso que todos os brontossauros estéticos serão afastados e
as pessoas terão de levar minha
poesia corpo acima. O caráter
centáurico da minha poesia consiste em que ela se lança do fundo
do mundo mágico até as esferas
mais altas e mais livres.
Folha - Você não gostaria de
ser mais reconhecido?
Piva - Nunca me preocupei
muito com isso de reconhecimento. Estava mais preocupado com a
vida. A poesia é que corria atrás
de mim, obrigava-me a escrever.
Reconhecimento vem com o tempo. Se a obra tem dinamite, mais
cedo ou mais tarde, ele vem. Como dizia García Lorca, "sou apenas um pulso ferido que sonda as
coisas do outro lado".
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