São Paulo, terça-feira, 04 de abril de 2000


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Piva volta com pesadelo delirante de São Paulo

Reprodução
Foto de Wesley Duke Lee



Marco da poesia paulistana dos anos 60, "Paranóia", de Roberto Piva, ganha nova edição, feita pelo Instituto Moreira Salles


BRUNO ZENI
da Redação

Um clássico da poesia paulistana, esgotado desde os anos 60, volta a circular no próximo mês. "Paranóia", de Roberto Piva, será relançado no dia 13 de abril, em edição do Instituto Moreira Salles que reproduz o livro original, ilustrado com 76 fotos de Wesley Duke Lee.
"Paranóia" (Massao Ohno, 1963) é uma sucessão de pesadelos e visões terríveis de uma São Paulo erotizada e, ao mesmo tempo, desumana.
A publicação do livro valeu a Piva a inclusão de seu nome no "Dictionnaire Générale du Surréalism", de Adam Biro e René Passeron. André Breton, mentor do movimento surrealista, publicou uma resenha de "Paranóia" em sua revista "Bréche".
Mas o reconhecimento de sua poesia não fez de Piva um nome de destaque na literatura brasileira. O poeta trilhou um caminho periférico: seus estudos de ocultismo, ufologia e xamanismo o mantiveram afastado das rodas literárias.
Além do alento que significa a reedição de "Paranóia", a poesia paulistana da década de 60 deve ganhar também as telas de cinema. Ugo Giorgetti ("Sábado" e "Boleiros") prepara um documentário sobre essa geração de poetas (leia texto à página 5-3).
Leia a seguir trechos da entrevista que Roberto Piva concedeu à Folha.

Folha - Por que seu primeiro livro se chama "Paranóia"?
Roberto Piva -
"Paranóia" é um imenso pesadelo. Transformei São Paulo em uma visão de alucinações. Apliquei o método paranóico-crítico criado por Salvador Dalí: o paranóico se detém num detalhe e transforma aquilo numa explosão de cores, de temas, de poesia. Fiz isso, mas apenas seguindo a intuição e a inspiração.

Folha - Como surgiu a idéia de incluir as fotos de Duke Lee?
Piva -
O jornalista Thomaz Souto Corrêa foi quem me apresentou a Wesley Duke Lee. O Wesley ficou tomado pelos poemas. Saiu por São Paulo fotografando especialmente para o livro. "Paranóia" esgotou em duas semanas e, desde então, ficou como um mito, parado no ar.

Folha - Não se pensou em fazer uma nova edição do livro?
Piva -
Não, porque é um livro muito caro, por causa das fotos e do formato. E, depois, eu fiquei um pouco afastado. Depois do "Paranóia", publiquei "Piazzas", em 1964, e fiquei uns 11 anos sem escrever, até publicar "Abra os Olhos e Diga Ah!", em 1975.

Folha - Por que você ficou tanto tempo sem escrever?
Piva -
Porque escrever é um desgaste muito grande. Eu tenho de cair na vida, entre um livro e outro, para recolher experiências, para poder transformar alquimicamente a matéria-prima em pedra filosofal. Eu sou um curandeiro das palavras.

Folha - Na época você já se interessava por xamanismo?
Piva -
Eu fui iniciado na piromancia aos 12 anos de idade por um mestiço de índio com negro. Em 1961, comprei o "Xamanismo e as Técnicas Arcaicas do Êxtase", do (mitólogo romeno) Mircea Eliade. Fiz leituras desse livro com Cláudio Willler, Antonio Fernando de Franceschi, Rodrigo de Haro. Ficamos impressionados com as palavras do Eliade. Pesquisei candomblé, umbanda, xamanismo, fui iniciado no catimbó, tomei vinho de jurema e tudo. É uma experiência espiritual ampla. Aplico então as técnicas arcaicas do êxtase -que é a definição de xamanismo de Mircea Eliade- na poesia. Isto é, seguir o seu êxtase, a sua intuição, o seu maravilhar-se. É o maravilhoso cotidiano de que falava o Breton.

Folha - Como era a São Paulo da década de 60?
Piva -
Já era degradada. Eu não gostava muito de São Paulo, nunca gostei muito de cidades. Pra mim, toda metrópole é uma necrópole, um vasto cemitério. O homem é o único animal que armazena os seus mortos.

Folha - Qual o lugar do "Paranóia" na tradição literária brasileira? É um livro tributário do "Paulicéia Desvairada", de Mario de Andrade?
Piva -
É algo à parte. Na época do lançamento, havia os concre-tistas de um lado e os comunistas do outro. Eu não dei bola para nenhuma dessas vertentes e parti para minha linhagem, da poesia universal magmática, influenciada pela geração beat e pelo surrealismo. Mas sem fazer disso uma carteirinha. No "Paranóia", há um intertexto com o "Paulicéia" no poema "No Parque Ibirapuera", mas é só nesse poema.

Folha - Seus últimos livros, como "Ciclones" (Nankin), abandonam o tema do urbano, que domina "Paranóia".
Piva -
O tema do urbano me cansou. Como eu disse, toda metrópole é uma necrópole. Não sou xamã de cemitério.

Folha - Você se considera um poeta ecologista?
Piva -
Eu não gosto dessa palavra, que é comprometida com essa coisa de salvar foquinha, galinha, pato. Para mim, onde não existe a onça pintada, é jardinzinho. Onde não existem os grandes predadores, o ecossistema está degradado.

Folha - O que é a poesia para você?
Piva -
Poesia é iniciação, uma linguagem hermética. Os primeiros poetas eram xamãs e curandeiros, assim como o teatro na Grécia antiga era um teatro de cura. Penso que todos os brontossauros estéticos serão afastados e as pessoas terão de levar minha poesia corpo acima. O caráter centáurico da minha poesia consiste em que ela se lança do fundo do mundo mágico até as esferas mais altas e mais livres.

Folha - Você não gostaria de ser mais reconhecido?
Piva -
Nunca me preocupei muito com isso de reconhecimento. Estava mais preocupado com a vida. A poesia é que corria atrás de mim, obrigava-me a escrever. Reconhecimento vem com o tempo. Se a obra tem dinamite, mais cedo ou mais tarde, ele vem. Como dizia García Lorca, "sou apenas um pulso ferido que sonda as coisas do outro lado".


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