São Paulo, segunda-feira, 04 de abril de 2005

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CRÍTICA

Tom Zé derruba as barreiras da lógica musical em seu show

RONALDO EVANGELISTA
COLABORADOR PARA A FOLHA

Classificado como uma "opereta" por seu autor, o novo disco de Tom Zé, "Estudando o Pagode", já nasceu com certa inclinação teatral. No texto do caprichado encarte do CD, inspirado em libretos de ópera, cada canção vem com sua letra acompanhada de especificações sobre personagens, cenas e atos. Muitas possibilidades abertas para a transposição do disco para o palco, portanto. E, realmente, com todo um "mise-en-scène" para a apresentação de cada música, o que temos são músicos/atores literalmente interpretando as canções. E Tom Zé, catalisador frenético de idéias, vestido de mendigo, sambando, rindo, dançando, derrubando o microfone, enfiando o dedo no nariz, se fazendo de bobo e conquistando o público.
Tomando como ponto de partida e inspiração o tema da segregação da mulher, a força do feminino e o preconceito contra o pagode, o compositor vai além e mistura religião, história, filosofia, Platão, Sócrates, o preconceito, o rock, a bossa nova, "Roliúde", Adoniran Barbosa, os méritos das estradas de ferro e o que mais surgir, em um fluxo de consciência que derruba todas as barreiras da lógica tradicional, inclusive musicalmente. Com instrumentos como guitarra, baixo elétrico, violão de sete cordas, teclados com sons de folhas de fícus, bateria, pandeiro e vozes masculinas e femininas, Tom Zé se permite criar, deixando tudo fluir e achando o espaço, a hora e o lugar de cada coisa. Nada é estático e tudo é permitido.
Intelectual e pop, Tom Zé seduz o público com facilidade. A cada gesto, todos se entregam, riem, admiram. É o ponto culminante de um momento em sua carreira em que consegue encher um teatro, de um público que o entende e se diverte com seu senso de humor, que o considera genial. Isso, depois de muitos anos sendo o incompreendido, o esquecido, o "incomercial". E, se o caminho da volta foi feito pelos gringos, que primeiro lembraram da sua genialidade e o resgataram, é no Brasil que Tom Zé pode ser ele mesmo, que pode se apresentar e cantar para um público que entende as suas referências e que fala a sua língua. Um público que não o vê como algo exótico e estrangeiro, mas simplesmente mais um típico brasileiro excêntrico.
Tom Zé aprecia (e cultiva) uma beleza mais bela, porque mais feia. É o belo errado, sincero, humano, espontâneo, com senso de humor. Sua música é doce, ainda que esquisita. Sua sensibilidade é feminina e as mulheres são grande parte do seu público. E agora são grande parte de suas músicas, na sua opereta. Na música de Tom Zé, não há espaço para diferenças, limites, definições. Ele desconstrói o que conhece, recria novos conceitos e subverte tudo. No palco, fala de si e explica suas inspirações. O personagem se mistura com o autor. O público compartilha a experiência da apresentação e se torna cúmplice. Hoje, às 22h30, ele é entrevistado no Roda Viva, da TV Cultura.


   

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