São Paulo, quarta-feira, 04 de maio de 2011 |
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OPINIÃO LITERATURA Sabato foi profeta nacional Autor argentino, morto no sábado, aos 99, era melhor opinador que escritor ALAN PAULS ESPECIAL PARA A FOLHA Mesmo que tenha vencido o Prêmio Miguel de Cervantes e que seus livros sejam ensinados em escolas, Ernesto Sabato não morreu como escritor, e sim como o que se chama de autoridade: alguém -como oráculos e padres- que a comunidade consulta quando atravessa situações de emergência ou incerteza, para que a ilumine e console com sabedoria. Não à toa, Sabato viveu e morreu num local chamado Santos Lugares. Nossa época explica que os que peregrinaram à sua casa como a um altar de sanidade ideológica tenham sido sobretudo os meios de comunicação. A mídia consagrou Sabato como o grande opinador nacional, referência ineludível na hora de buscar uma voz-farol, capaz de se elevar sobre as urgências do imediato (o que a história soletra em minúsculas) e emitir veredictos "desinteressados", "prudentes" (do tipo que se escreve sempre com maiúsculas). Contou para isso a cumplicidade do próprio Sabato, cujo itinerário biográfico e intelectual está atravessado do começo ao fim por essa vontade de transcender, de estar por cima, de ser universal. Um dos seus marcos foi a literatura. Sabato se tornou escritor perto dos 40 anos, quando renegou as duas causas pelas quais militava: a ciência (era doutor em física) e a política (era membro do Partido Comunista). Escrever é se desintoxicar. Mas é também a possibilidade de combater os dois poderes dos que acabava de se liberar com a metafísica, uma arma nova e de dois gumes: o culto tenebroso e fascinado de um irracionalismo à Dostoiévski (antídoto contra a razão científica) e a pregação de um humanismo abstrato, equidistante, cuidadosamente inespecífico (contra o dogmatismo político). Sabato dizia que a literatura deve buscar "a verdade, toda a verdade" e que deve apresentá-la "falando em maiúsculas". Essa crença numa verdade essencial, suprema, que não tolera condicionantes e está além de tudo (o homem, a democracia, a liberdade), explica o Sabato escritor e o Sabato profeta, marcando os limites de um senso comum atormentado para o qual só o solene é profundo, as circunstâncias históricas são "superficiais" e os heróis e as tumbas são os únicos que têm algo importante a nos dizer. ALAN PAULS é escritor argentino, autor do livro "O Passado" (2003), entre outros. Texto Anterior: Mônica Bergamo Próximo Texto: Cinema: Corpo de estrela de filmes B é achado mumificado em L Índice | Comunicar Erros |
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