São Paulo, segunda, 4 de maio de 1998

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Megaevento culinário acontece desta quinta até domingo e oferece cursos de Jean Claude Boucheret e LaurentDuchêne
Chefs do Cordon Bleu abrem Boa Mesa de 98

CRISTIANA COUTO
especial para a Folha


Entre as quase cem atividades do Boa Mesa 98, megaevento gastronômico que acontece entre quinta e domingo no Centro Têxtil, em São Paulo, estão as aulas das mais esperadas estrelas parisienses, vindas do Cordon Bleu, famosa escola de culinária. Laurent Duchêne, 34, chef de confeitaria, e Jean Claude Boucheret, 50, chef de cozinha superior da escola francesa que sedimenta sua tradição de boa cozinha há mais de um século, saem pela primeira vez dos domínios franceses para dar um curso fora do país. Com ingredientes como bacalhau e feijão, as aulas especiais dos franceses no evento, organizado pelo crítico gastronômico da Folha, Josimar Melo, mostram técnicas francesas, base indispensável da culinária moderna. Os workshops que darão aceitam apenas 12 pessoas.
Os chefs contam que a cozinha evolui sempre para o "democrático". Concordam que a mais saudável, como a mediterrânea, é moda, mas reiteram a importância de manter as tradições culinárias em cada país.
Leia a seguir os principais trechos da entrevista que eles concederam à Folha por fax, de Paris.

Folha - O que os srs. vão apresentar durante as aulas especiais no Boa Mesa?
Jean Claude Boucheret -
Escolhi produtos familiares aos brasileiros, como bacalhau e feijão.
Escolhi também um programa com as técnicas que quero mostrar, como por exemplo usar várias delas ao mesmo tempo, sem utilizar produtos muito caros. Elas podem ser reproduzidas facilmente por qualquer um em casa.
A cozinha atual está evoluindo por meio do uso de produtos locais, e é essa a filosofia do Cordon Bleu: treinar os alunos para as técnicas francesas, que são as mais completas e que podem ser também utilizadas com produtos da região.
Laurent Duchêne - Em minhas aulas de confeitaria, mostrarei como elaborar bolos com musse de chocolate, além de ensinar a montar um bolo e comentar a importância dos ingredientes.
Folha - O objetivo principal da aula é mostrar as técnicas e a base da cozinha francesa ou as novidades da cozinha contemporânea?
Boucheret -
Primeiramente é mostrar as técnicas francesas e, então, uma combinação dos diferentes tipos de cozinha, que sempre evolui para ser mais democrática. No momento, trabalhamos com todos os tipos de produtos, que foram mudando, mas as técnicas são as mesmas.
Duchêne - São ambas as coisas. A idéia é também mostrar aos alunos como adaptar seu próprio estilo aos pratos franceses clássicos.
Folha - Os srs. acham que a cozinha francesa ainda tem primazia ou o crescimento da italiana e da mediterrânea a está ameaçando?
Boucheret -
Cada cozinha é específica. Eu, pessoalmente, prefiro que cada país mantenha receitas e tradições próprias. Na França, temos o privilégio de ter climas, regiões e estações diferentes, queijos, videiras...
Por outro lado, temos de encarar a tendência mundial: em todo lugar há camembert, os produtos brasileiros estão disponíveis em toda parte, mas não com o mesmo gosto da região de origem.
A cozinha italiana e a mediterrânea parecem ser uma tendência, estão mais conectadas com o modo de viver das pessoas.
Nós, franceses, pensamos em aproveitar o lazer, o que tentamos promover com a "art de vivre" (arte de viver). Antes, comer era considerado só uma necessidade.
Duchêne - Acho que a cozinha francesa tenta utilizar os ingredientes mais importantes, isto é, ela os respeita. A cozinha mediterrânea agora é moda, pois traz um novo sabor, uma alimentação mais saudável.
Acredito, porém, que a principal cozinha no momento é a "terroir" (cozinha regional, da terra), que demonstra o verdadeiro prato do campo, o sabor real do produto.
Folha - Quais as principais dificuldades de seus alunos?
Boucheret -
Para os estrangeiros, o mais difícil é adaptar-se aos produtos e práticas franceses. As pessoas estão acostumadas a comer em função do clima e dos hábitos de seu país.
A outra dificuldade é aprender o conjunto completo das técnicas francesas. É a única cozinha que tem um vocabulário muito extenso para designá-las. Nesse ponto, os franceses são muito criativos.
Duchêne - Educar o paladar deles é o mais difícil.
Folha - Quais os elementos principais para se tornar um chef?
Duchêne -
Tratar bem os ingredientes para entender todas as técnicas básicas e tentar desenvolver a criatividade.
Folha - Quando estiveram no Brasil, o que acharam da comida local?
Boucheret -
Quando estive no Rio, há dois anos, provei feijoada, caipirinha e gostei da especialidade de vocês, o churrasco.
Gosto da maneira como vocês preservam o sabor dos produtos, eles ficam com gosto natural. A tendência na Europa é desenvolver novos produtos sem gosto...
Duchêne - Durante um cruzeiro que passou pelo Brasil, fiquei dois dias no Rio e adorei as churrascarias, que não temos aqui. A maneira como vocês preparam a carne na frente das pessoas e o sabor delas são muito interessantes...
Folha - O que mais gostariam de provar durante sua estadia aqui?
Boucheret -
Churrasco, frutas e legumes. Gostaria de provar também um bom peixe fresco. Quando estive no Rio não achei o peixe tão bom...
Duchêne - Gostaria de descobrir novas frutas, sei que vocês têm uma grande variedade delas...
Folha - Como foi a trajetória dos srs. até o Cordon Bleu?
Boucheret -
Comecei a trabalhar em restaurantes de alta cozinha. Também trabalhei com Paul Bocuse. Foi muito agradável, aprendi bastante.
Duchêne - Trabalhei em vários restaurantes em Paris e na Inglaterra (na famosa pâtisserie Peltier) e participei de algumas competições.
Folha - Duchêne, como foi ganhar o título de "meilleur pâtissier de France" (melhor confeiteiro da França)?
Duchêne -
Levei dois anos me preparando para a competição, que acontece a cada quatro anos na França. Fiz bolos e petit fours utilizando técnicas novas e mais sofisticadas, aprimorei o design... Concorri com 50 chefs e ganhei.
Boucheret - É como se preparar para os Jogos Olímpicos!



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