São Paulo, segunda, 4 de maio de 1998

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TELEVISÃO
"Chiquititas' é ficção para Woody Allen ver

TELMO MARTINO
Colunista da Folha

Se o velho Humbert Humbert pudesse se libertar do presídio Nabokov, e Woody Allen, o mais evidente de seus sucessores, fosse informado, talvez o seriado das "Chiquititas" pudesse ter dois telespectadores adultos.
O seriado está cheio de ninfetas de fitas vermelhas nas tranças, todas vestidas com as mesmas minissaias e coletes. Todas também muito atribuladas com seus problemas de órfãs cinco estrelas. Nem um pouco vitorianas, elas moram num orfanato, sem lágrimas ostensivas, que parece um monumento ao "decapê" e ao "composê".
As crianças e as mães com planos ambiciosos para suas filhas talvez talentosas vêem "Chiquititas" com grande prazer e, o que é mais importante, assiduidade. E egoístas não dão a mais ninguém a senha. Nem para forasteiros que queiram visitar rapidamente suas aventuras. Sem a senha, essas aventuras ficam distantes e sem vida. Uma chiquitita briga com a outra e vai trancá-la num porão. Ah, as órfãs.
Muito diferente, aparece uma chiquitita loura com todo o jeito de quem já viveu um "passado". Ela é bem mais atrevida do que as outras. Além de um desembaraço muito pessoal, ela até dá um beijo na boca do Júlio (o orfanato é misto), um menino de grande prestígio na casa. Fim da festa.
É muito complicada a tarefa de ser penetra em "Chiquititas". De repente, uma mulher sofre a angústia de que as pessoas descubram que a personagem do livro que ela escreveu seja ela própria. Quantos minutos de "Chiquititas" precisa um penetra para avaliar a intensidade de tal perigo? Dois segundos.
Bem melhor foi o conto escrito por uma órfã e de imediata encenação pela imaginação dos leitores. Tem um caolho perneta, uma bruxa vestida com o luxo de um travesti num gala-gay e um herói com uma máscara que parece roubada da exposição Dalí, que ainda está no Rio.
Mas, como criança é chata, interrompem a leitura do conto e voltam para sua impenetrável realidade de possíveis adoções por pais arrependidos ou tios vilões. Homessa.
É muito bonitinho o lema das chiquititas. "Amigas para sempre". Um pouco Baden Powel demais? Isso é o de menos. O problema é que as meninas vivem brigando. Como a Vivi e a Tati. Tati e Vivi? Isso mesmo. O bonitinho é sempre bem de propósito.
Mas alegria mesmo, só na abertura, intervalos e encerramento. Aí as "Chiquititas" cantam e dançam com o entusiasmo de musical americano. Embora a preferência como cenário sejam os prédios e até os heliportos da avenida Paulista, musicalmente falando elas estão naquele estilo recém-descoberto Broadway-Bexiga. Com acento agudo-grave-e-circunflexo na Broadway.



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