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Brasil é Laboratório Médico, diz Christopher reeve
AMIR LABAKI
de Nova York
"Still Me" (Ainda Eu), o livro
de memórias do Super-Homem
das telas Christopher Reeve que
chegou neste fim-de-semana às livrarias dos EUA, refere-se ao Brasil como uma espécie de zona
franca para experimentos médicos. "O Brasil é um dos países onde não existem restrições éticas ou
legais na Medicina."
Reeve fala do Brasil ao tratar das
pesquisas de ponta visando a ainda inédita regeneração nervosa na
medula espinhal. O comentário
não é negativo: Reeve classifica os
experimentos coordenados pelo
doutor Wise Young como "um
exemplo promissor de uma abordagem radical, o tipo de passo corajoso que é necessário quando se
quer ir a Lua ou curar a paralisia".
Aos 45, Reeve vive desde 1995
paralisado do pescoço para baixo,
devido a um acidente durante um
torneio hípico. Ao refugar um salto diante de um obstáculo, o cavalo atirou Reeve de cabeça ao chão.
Houve fratura de vértebras cervicais, praticamente separando a cabeça do corpo do ator.
Reeve conta no livro não se lembrar de nada do acidente daquela
fatídica manhã de 27 de maio de
1995. Depois de algumas voltas de
treino no circuito de
cross-country, Reeve preparou-se
para a competição. "Vesti o colete
de proteção e o capacete e fui para
a área de aquecimento", escreve.
Depois de ouvir um amigo desejar-lhe boa sorte, tudo se apagou
da memória do ator.
Três dias depois, acordou no
hospital. As primeiras cinquenta
páginas de "Still Me" (Random
House, 310 págs., US$ 25) são uma
franca e corajosa reconstituição da
odisséia médica de Reeve. Pela primeira vez, o ator testemunha sobre o próprio desespero, que o levou a considerar a hipótese de suicídio. Sua mãe chegou a argumentar com médicos em favor do desligamento das máquinas.
A determinação da segunda mulher de Reeve, a cantora e atriz Dana, na primeira conversa pós-acidente, convenceu o ator a tentar.
Reeve descreve detalhadamente
o longo e doloroso processo de
reabilitação. Três anos depois da
queda, o ator recuperou parte da
sensibilidade abaixo da nuca, nos
ombros e no braço e perna esquerdos. Não tem controle sobre as
funções corporais e respira com
auxílio de um ventilador artificial.
Braços e pernas inertes, locomove-se em cadeira de rodas e depende cotidianamente de dez enfermeiras e cinco assistentes. Nada
disso impediu-lhe de estrear como
diretor no ano passado com o drama sobre a Aids "In The Gloaming", produzido pela HBO.
Por entre os compreensíveis altos e baixos de seu humor, move
Reeve a esperança de andar de novo. Num discurso público, estabeleceu como meta voltar a caminhar com as próprias pernas antes
de completar 50 anos, em setembro de 2002.
Reeve tornou-se um especialista
em pesquisas neurológicas e desenvolve uma inacreditável agenda de militância pública pelo aumento dos recursos dedicados ao
progresso médico. Um de seus
principais aliados mora na Casa
Branca e anda tendo problemas
com questões menos nobres (Reeve fez campanha para Clinton já
em 1992 e tem acesso privilegiado
a ele).
Em 1996, o ator estabeleceu a
Christopher Reeve Foundation
(P.O. Box 277, FDR Station, Nova
York, NY, EUA, 10150-0277), visando arrecadar fundos e chamar
atenção em favor das pesquisas
"pelo efetivo tratamento e -por fim- cura da paralisia por trauma
da medula espinhal". A seu modo, "Still Me" faz parte da mesma
campanha.
A autobiografia deveria ser inicialmente escrita a quatro mãos
com o auxílio de um jornalista.
Reeve acabou abrindo mão do
apoio e ditou o livro inteiro para
uma assistente. São quase 300 páginas de texto enxuto e brava
auto-exposição.
A crônica da reabilitação reveza-se habilmente com o resumo de
sua trajetória. Reeve nasceu em
Nova York numa família de intelectuais de classe média. Aos 3
anos, seus pais separaram-se,
abrindo um fosso que o tempo só
aumentou na relação com o pai,
um professor de literatura comparada.
A vocação para teatro revelou-se
já aos nove anos. A prestigiada Julliard School de John Houseman
foi o ápice de sua sólida formação.
Robin Williams foi seu grande colega de turma, William Hurt,
Mandy Patinkin e John Lithgow,
seus contemporâneos.
Reeve aprendeu com ninguém
menos que Katherine Hepburn,
com quem contracenou nos palcos em "A Matter of Gravity"
(1975), a dar o texto com as emoções "do momento". Acostumou-se com as câmeras ao virar
uma jovem estrela com a telessérie
"Love of Life". Sem maiores expectativas fez em janeiro de 1977 o
teste que mudaria sua vida.
O jovem Cary Grant foi o modelo para Reeve compor o atrapalhado Clark Kent de seu "Superhomem". É grato ao papel que o tornou uma megaestrela mundial,
apesar de estigmatizá-lo em Hollywood.
Reeve analisa com rara severidade as escolhas de sua carreira. Orgulha-se de "Em Algum Lugar no
Passado", de "Armadilha Mortal" e sobretudo das duas colaborações com James Ivory ("Os Bostonianos" e "Resquícios do
Dia"). "O menos que falarmos de
"Superhomem 4", melhor", assume.
Esportista a vida inteira, amante
de barcos e aviões, Reeve diz ter
abraçado o hipismo como um
possível substituto para sua carreira declinante a partir de meados
dos anos 80. Para tanto, teve de
combater a alergia a cavalos que
descobrira na infância. Derrotou-a com remédios e dedicação.
Não era aquela a verdadeira
kryptonita de Christopher Reeve.
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