São Paulo, segunda, 4 de maio de 1998

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Brasil é Laboratório Médico, diz Christopher reeve

AMIR LABAKI
de Nova York

"Still Me" (Ainda Eu), o livro de memórias do Super-Homem das telas Christopher Reeve que chegou neste fim-de-semana às livrarias dos EUA, refere-se ao Brasil como uma espécie de zona franca para experimentos médicos. "O Brasil é um dos países onde não existem restrições éticas ou legais na Medicina."
Reeve fala do Brasil ao tratar das pesquisas de ponta visando a ainda inédita regeneração nervosa na medula espinhal. O comentário não é negativo: Reeve classifica os experimentos coordenados pelo doutor Wise Young como "um exemplo promissor de uma abordagem radical, o tipo de passo corajoso que é necessário quando se quer ir a Lua ou curar a paralisia".
Aos 45, Reeve vive desde 1995 paralisado do pescoço para baixo, devido a um acidente durante um torneio hípico. Ao refugar um salto diante de um obstáculo, o cavalo atirou Reeve de cabeça ao chão. Houve fratura de vértebras cervicais, praticamente separando a cabeça do corpo do ator.
Reeve conta no livro não se lembrar de nada do acidente daquela fatídica manhã de 27 de maio de 1995. Depois de algumas voltas de treino no circuito de cross-country, Reeve preparou-se para a competição. "Vesti o colete de proteção e o capacete e fui para a área de aquecimento", escreve. Depois de ouvir um amigo desejar-lhe boa sorte, tudo se apagou da memória do ator.
Três dias depois, acordou no hospital. As primeiras cinquenta páginas de "Still Me" (Random House, 310 págs., US$ 25) são uma franca e corajosa reconstituição da odisséia médica de Reeve. Pela primeira vez, o ator testemunha sobre o próprio desespero, que o levou a considerar a hipótese de suicídio. Sua mãe chegou a argumentar com médicos em favor do desligamento das máquinas.
A determinação da segunda mulher de Reeve, a cantora e atriz Dana, na primeira conversa pós-acidente, convenceu o ator a tentar.
Reeve descreve detalhadamente o longo e doloroso processo de reabilitação. Três anos depois da queda, o ator recuperou parte da sensibilidade abaixo da nuca, nos ombros e no braço e perna esquerdos. Não tem controle sobre as funções corporais e respira com auxílio de um ventilador artificial.
Braços e pernas inertes, locomove-se em cadeira de rodas e depende cotidianamente de dez enfermeiras e cinco assistentes. Nada disso impediu-lhe de estrear como diretor no ano passado com o drama sobre a Aids "In The Gloaming", produzido pela HBO.
Por entre os compreensíveis altos e baixos de seu humor, move Reeve a esperança de andar de novo. Num discurso público, estabeleceu como meta voltar a caminhar com as próprias pernas antes de completar 50 anos, em setembro de 2002.
Reeve tornou-se um especialista em pesquisas neurológicas e desenvolve uma inacreditável agenda de militância pública pelo aumento dos recursos dedicados ao progresso médico. Um de seus principais aliados mora na Casa Branca e anda tendo problemas com questões menos nobres (Reeve fez campanha para Clinton já em 1992 e tem acesso privilegiado a ele).
Em 1996, o ator estabeleceu a Christopher Reeve Foundation (P.O. Box 277, FDR Station, Nova York, NY, EUA, 10150-0277), visando arrecadar fundos e chamar atenção em favor das pesquisas "pelo efetivo tratamento e -por fim- cura da paralisia por trauma da medula espinhal". A seu modo, "Still Me" faz parte da mesma campanha.
A autobiografia deveria ser inicialmente escrita a quatro mãos com o auxílio de um jornalista. Reeve acabou abrindo mão do apoio e ditou o livro inteiro para uma assistente. São quase 300 páginas de texto enxuto e brava auto-exposição.
A crônica da reabilitação reveza-se habilmente com o resumo de sua trajetória. Reeve nasceu em Nova York numa família de intelectuais de classe média. Aos 3 anos, seus pais separaram-se, abrindo um fosso que o tempo só aumentou na relação com o pai, um professor de literatura comparada.
A vocação para teatro revelou-se já aos nove anos. A prestigiada Julliard School de John Houseman foi o ápice de sua sólida formação. Robin Williams foi seu grande colega de turma, William Hurt, Mandy Patinkin e John Lithgow, seus contemporâneos.
Reeve aprendeu com ninguém menos que Katherine Hepburn, com quem contracenou nos palcos em "A Matter of Gravity" (1975), a dar o texto com as emoções "do momento". Acostumou-se com as câmeras ao virar uma jovem estrela com a telessérie "Love of Life". Sem maiores expectativas fez em janeiro de 1977 o teste que mudaria sua vida.
O jovem Cary Grant foi o modelo para Reeve compor o atrapalhado Clark Kent de seu "Superhomem". É grato ao papel que o tornou uma megaestrela mundial, apesar de estigmatizá-lo em Hollywood.
Reeve analisa com rara severidade as escolhas de sua carreira. Orgulha-se de "Em Algum Lugar no Passado", de "Armadilha Mortal" e sobretudo das duas colaborações com James Ivory ("Os Bostonianos" e "Resquícios do Dia"). "O menos que falarmos de "Superhomem 4", melhor", assume.
Esportista a vida inteira, amante de barcos e aviões, Reeve diz ter abraçado o hipismo como um possível substituto para sua carreira declinante a partir de meados dos anos 80. Para tanto, teve de combater a alergia a cavalos que descobrira na infância. Derrotou-a com remédios e dedicação. Não era aquela a verdadeira kryptonita de Christopher Reeve.



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