São Paulo, domingo, 04 de junho de 2006

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MÔNICA BERGAMO

Empics
Pelé na Copa da Inglaterra (1966), em imagens do livro "Pelé, A Autobiografia" (Sextante); "Acho que os brasileiros são muito exigentes com seus ídolos... Preferem apoiar quem está por baixo -é um traço cultural, enraizado em nossa psicologia", diz

Eu, Pelé

PELÉ INFORMA: Pelé vai lançar uma autobiografia, contando a vida de Pelé desde a infância pobre, em Bauru, em que se vestia com camisas de sacos de farinha, à vida gloriosa de celebridade. No livro, o craque revela mágoas. Do Brasil. Dos brasileiros. "Tenho passado pelos aeroportos de todo o mundo sem mostrar o passaporte. As pessoas sabem quem eu sou e me deixam seguir. Ninguém examina minha bagagem", diz. "No Brasil, às vezes o pessoal da alfândega abre as minhas malas e remexe todo o conteúdo. No resto do mundo sou tratado de uma forma; no meu país, de outra."

 

"Por que isso acontece?", pergunta-se. "Acho que os brasileiros são muito exigentes com seus ídolos... Preferem apoiar quem está por baixo -é um traço cultural, enraizado em nossa psicologia", filosofa. "Às vezes, é como se estivessem mais preocupados em derrubar você do que valorizá-lo".

A autobiografia de Edson Arantes do Nascimento, o Pelé, 65, tem 298 páginas divididas em 11 capítulos, de "O Menino de Bauru" a "Ícone". Não, o rei não se sentou à mesa para escrever as histórias. "Pelé me deu entrevistas e, em outras partes, eu escrevia o texto e ele ia aprovando", conta à coluna o jornalista Orlando Duarte, 74, redator do livro e autor de outras duas obras sobre o astro.

A autobiografia, como seria óbvio, é dedicada especialmente a seus momentos de glória. Três papas, chefes de Estado como Elizabeth 2ª e Ronald Reagan, cantores como Frank Sinatra e Mick Jagger, cineastas como Woody Allen e Steven Spielberg são personagens do livro. "Fui às festas de 18 e 19 anos de Michael Jackson e tive o meu retrato pintado por Andy Warhol", recorda Pelé, que narra sua amizade com John Lennon. "Conversava com ele no corredor entre as aulas [em uma escola de idiomas de NY], almoçávamos juntos...". Contracenou com Sylvester Stallone em "Fuga para a Vitória" (1981). Aprendeu "que os "astros" nem sempre trabalham democraticamente". Pelé conta: "Ele não permitia que ninguém se sentasse em sua cadeira no set, e corria um boato de que fizera questão que o seu personagem marcasse o gol da vitória".
 

Em novembro de 1968, se encontrou com a rainha Elizabeth 2ª, que visitava ao Brasil. "Um bocó do Ministério das Relações Exteriores me procurou para se assegurar de que eu não cometeria nenhuma gafe nem quebraria o protocolo dos encontros com a realeza. Fez um pequeno discurso sobre a importância de esperar que ela falasse primeiro, de ficar parado, de mostrar deferência -basicamente, a importância de eliminar qualquer traço de humanidade do simples ato de duas pessoas se conhecerem".
 

Ainda mais nervoso pelos orientações, logo relaxou: "Ela disse que o marido dela, o príncipe Philip, era um grande fã meu".

No livro, Pelé fala da marca Pelé, que já anunciou até Viagra. "Já me pediram para fazer propaganda de papel higiênico, mas não aceitei", diz. Também recusa anúncio de bebidas e cigarros. Certa vez, o convidaram para uma propaganda "contra o fumo". Apareceria praticando esportes e depois diria a crianças: "Fumar não é bom para vocês. Agora, se um dia eu decidisse adquirir o hábito... Então fumaria "estes" cigarros".
 

De política, Pelé fala pouco. Aprova, é claro, sua atuação como Ministro dos Esportes e se diz revoltado por tantos brasileiros terem "um trabalho cansativo e mal pago, quando as pessoas que estão no poder são um bando de escroques". Também diz que lutou para melhorar o esporte. "O futebol brasileiro é uma selva", diz Pelé. "A própria selva amazônica."
 

Pelé cita os grandes jogadores entre seus companheiros dos velhos tempos: Garrincha, Nilton Santos, Didi, Vavá, Jairzinho, Tostão... Dos mais jovens, lembra-se de "Ronaldinho, Juninho Pernambucano e Kaká" entre os melhores. E critica Ronaldo, que disse que o rei "é muito conhecido pelas besteiras que diz" quando Pelé afirmou que os problemas na vida pessoal do Fenômeno o atrapalhavam. "Ronaldo deveria ter me telefonado para me perguntar o que eu realmente dissera. Mas eu o perdôo."
 

E Maradona, que muitos dizem ser melhor que Pelé? O craque não titubeia. Diz que o maior é ele mesmo, "o Pelé": "Quando se comparam jogadores de futebol é preciso levar tudo em conta -quem chuta melhor com o pé direito, quem chuta melhor com o pé esquerdo, quem cabeceia melhor, quem corre mais e assim por diante. E num teste como esse não existe comparação, realmente. Essa é a realidade".

Pelé se casou duas vezes. Na primeira, com Rosimeire, foi alvo de "muitas especulações". "Uma notícia afirmava que seríamos casados pelo Papa em pessoa... Outra, que tínhamos convidado tanta gente que fora preciso alugar o Pacaembu para a cerimônia...".
 

Assíria, a atual mulher, ganha uma minibiografia dentro do livro. Os filhos são todos citados: Kelly Cristina, Jennifer e Edinho, de Rosimeire, Joshua e Celeste, de Assíria, e Sandra e Flávia, de duas relações extraconjugais.
 

Pelé acha que Edinho, preso sob acusação de associação com o tráfico de drogas, se perdeu por "más companhias" que queriam usar "as ligações que ele tinha por ser filho do Pelé". "Passei por momentos de desgosto, tristeza, amargura, culpa, desespero e fúria", diz.
 

Sandra Regina Machado, fruto de "uma escapadela" com "Anísia Machado, uma empregada doméstica", é alvo de críticas. Pelé só a reconheceu após exame de DNA. Sandra lançou o livro "A Filha Que o Rei Não Quis", que ele considera "injurioso". "Passaram-se anos sem que a Sandra entrasse em contato... A minha irmã Maria Lúcia foi conversar com ela e teve a impressão de que ela estava mais interessada em dinheiro que em ficar comigo". Com Flávia foi diferente. Fruto de um romance com uma jornalista, logo foi reconhecida.
 

Duas páginas são reservadas para falar de Xuxa, que Pelé conheceu em uma sessão de fotos para a revista "Manchete" quando ela tinha 16 anos. "Convidei-a para assistir a um show de música, mas, como ela era muito jovem, precisei pedir permissão a seu pai", disse. Foram seis anos juntos. "Ela classificava nosso relacionamento como "amizade colorida". Eu costumava brincar que estava mais para preto e branco."
 

"Ajudei a Xuxa a decolar na carreira, apresentando-a a alguns amigos meus que faziam filmes considerados, naquela época, um tanto picantes", diz. Quando Xuxa se tornou apresentadora infantil, Pelé foi à redação da "Playboy" e recolheu os negativos de um ensaio feito por ela em 1982. A moeda de troca, de acordo com Pelé: uma entrevista exclusiva dele. O rei.


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