São Paulo, sábado, 04 de junho de 2011 |
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CRÍTICA POESIA Estranhamento faz o domínio do falso parecer mais verdadeiro em "Vesuvio" NOEMI JAFFE COLABORAÇÃO PARA A FOLHA "Há duas espécies de fantasmas. / Os verdadeiros e os falsos." De forma seca e peremptória começa o poema "O Paradoxo dos Fantasmas", como também a maior parte dos poemas de "Vesuvio", primeiro livro de poemas da premiada escritora Zulmira Ribeiro Tavares. A certeza cirúrgica com que se inicia esse poema, embora fale de um paradoxo, caracteriza sinteticamente toda a poesia desse livro único na nova poesia brasileira. Verdade e verdadeiro não existem, ou, no mínimo, sua existência é desinteressante. O que existe mesmo é o falso: os fantasmas que se vestem com lençóis brancos e para quem é natural "que aqui e ali tropece em si próprio e em si próprio enrosque os pés,(...) ou role a escada e solte um urro cavernoso seguido de palavra impronunciável". Esses são os fantasmas verdadeiramente assustadores: "pois que existem". E é assim que o leitor vai se assombrando continuamente com essa poesia que existe tanto, apesar (e por causa) de ser falsa como toda poesia. Em linguagem surpreendentemente simples e castiça, a linha de pobreza, por exemplo, no poema "Abaixo da Linha de Pobreza", um conceito sociológico vai se transformando numa linha de pobreza literal. E nessa sua aparição poética, a linha de pobreza conceitual ganha uma dimensão de verdade que a economia nunca conseguiu dar a ela. PINGUINS Tudo soa mais verdadeiro quando transferido para o domínio do falso, do metafórico, nas palavras de Zulmira. Em "Vida: Objeto de Desejo", o poema começa com a estranhíssima afirmação: "Nós desejamos pinguins". "Desejamos os pinguins de nosso assombro/ fechados de nós no desejo/ como pérolas nas ostras." Pouca coisa tão potente em seu estranhamento e verdade tem surgido ultimamente. E aquilo que é falso vai se transformando em imagem tangível, e os pinguins de nosso assombro já estão ali firmemente instalados como a coisa mais habitual. E ainda assombrados, lemos: "Saber quem se encontra/ atrás do vidro com insulfilme:/ o porteiro de todo dia/ ou aquele do nunca mais". Fundindo o cotidiano ao estranho, Zulmira mostra que a morte está por aí, mas também nas lavas secretas dos nossos vulcões. VESUVIO AUTOR Zulmira Ribeiro Tavares EDITORA Companhia das Letras QUANTO R$ 33 (96 págs.) AVALIAÇÃO ótimo Texto Anterior: Livros: Restrepo conta a própria saga familiar na guerrilha Próximo Texto: Painel das Letras - Josélia Aguiar: Para ter mais leitores Índice | Comunicar Erros |
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