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Estética transgênica
Pioneiro na arte com manipulação genética, brasileiro radicado nos EUA Eduardo Kac vem a SP
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CASSIANO ELEK MACHADO
DA REPORTAGEM LOCAL
Quando tinha sete anos, Eduardo Kac leu um gibi no qual um vilão criava uma réplica holográfica
gigante de si mesmo para combater o super-herói. Era 1969 e o garotinho não tinha muita idéia do
que era um holograma. Mas a alegoria da revistinha entrou em sua
mente com tanto embalo que acabou por se transformar em uma
sombra do seu futuro.
Foi pela holografia que esse artista carioca penetrou naquilo que
é mais próximo do ambiente de
ficção científica que ele leu na surrada edição de "Superboy", cuidadosamente guardada desde a
infância.
Em 1983 já era um dos primeiros do mundo a fazer arte holográfica, no caso seus "holopoemas". Foi apenas o primeiro pioneirismo. Pouco depois começou
a desenvolver a telepresença artística, que permitia que alguém no
Rio de Janeiro controlasse movimentos de um robô nos Estados
Unidos.
E é de lá, dos EUA, onde vive
desde 1999, que Kac vem controlando o pioneirismo que faz holografia parecer coisa do século passado.
Aos 40 anos, o diretor do departamento de arte e tecnologia e de
holografia do Instituto de Arte de
Chicago, uma das principais escolas artísticas do mundo, agora deu
para criar com vida.
Kac, ou 026109532, número gravado em um microchip que ele
mesmo implantou em seu tornozelo esquerdo, na performance
"Cápsula do Tempo", de 1997, é
um dos pais da chamada arte
transgênica, no qual os antigos
pincéis, tintas e papéis são substituídos por sofisticadas ferramentas da biologia molecular.
Até aqui, sua "Monalisa" é o trabalho "GFP Bunny", responsável
pela criação do simpático animal
fluorescente da foto acima (leia
texto ao lado).
Tema de debates em todo o
mundo, Alba, a coelhinha, vira
agora objeto de discussões em São
Paulo. A futurista comedora de
cenouras é um dos temas de uma
palestra que Kac faz no evento
Emoção Art.ficial, que o Itaú Cultural promove em agosto (leia
box ao lado).
Na conferência, o artista discute
toda a sua obra (fartamente documentada no site www.ekac.org),
que ele classifica como um "laboratório social" ("É experimentar
no presente situações que se tornarão corriqueiras no futuro").
Na entrevista a seguir, Kac
adianta mais uma vez o futuro e
fala sobre os temas que discutirá
por aqui. Leia trechos a seguir.
Folha - Você virá ao Brasil no mês
que vem para o evento Emoção
Art.ficial. Quanto tempo levaremos
para chegar ao robô sentimental?
Eduardo Kac - Em 97 fiz "A Positivo", no qual o ser humano dá
sangue ao robô, que filtra o oxigênio e alimenta uma chama em um
coração de vidro. O robô devolve
soro para o homem. O robô biológico existe como tal, com algum
elemento biológico vivo dentro
do seu corpo robótico. No caso do
"biobô" que criei em "O Oitavo
Dia", existe uma colônia de amebas transgênicas que vivem no robô e são responsável pelo movimento das pernas dele.
Não acredito que robôs poderão
manifestar determinados aspectos da vida por recursos puramente eletrônicos. É da mescla
que poderá surgir um tipo de
existência híbrida capaz de manifestar algo semelhante ao que chamamos de emoção.
Folha - Você já escreveu que a essência de seus trabalhos é a comunicação. Isso se aplicaria também
para suas criações chamadas de arte transgênica?
Kac - Você pode dizer que toda
arte envolve comunicação. Mas a
arte não precisa estar delimitada a
processos comunicacionais como
os da pintura e da escultura. Trabalho com um modelo de comunicação dialógico, que incorpora
a subjetividade de outras pessoas
como fator fundamental da obra.
A arte dialógica é muito semelhante à conversa que estamos
tendo agora. É fruto da interação
de uma ou mais entidades vivas
no sentido biológico mais comum. No caso de "GFP Bunny" a
dimensão dialógica é elevada ao
grau máximo. Você estaria experimentando o contato emotivo,
cognitivo, o partilhar de seu universo simbólico diariamente.
Folha - Você já disse que seu objetivo não era criar objetos genéticos, mas inventar sujeitos transgênicos. Sua obra está mais no campo
da ética ou da estética?
Kac - Ética e estética são indissociáveis. No meu caso poderia dizer que há uma preocupação estética grande, mas a natureza dessa
preocupação não é formal. Minha
preocupação estética é a de inventar novos sujeitos sociais. Criar
seres com características físicas
sim, como a coloração, mas também mentais e emotivas.
A invenção de uma vida leva a
uma confrontação. Aí está a dimensão ética. No momento em
que esse ser está em sua frente e te
olha nos olhos é impossível não
levar em consideração a responsabilidade que você passa a ter.
Folha - Por que a criação desses
seres transgênicos pode ser arte?
Kac - Aquilo que não reconhecemos como arte devemos passar a
conhecer como tal. Falamos de
um gesto fundador. Não tem, assim, referência no passado. Duchamp não ajuda, Picasso não
ajuda, Dalí não ajuda. Nada do
que se conhece ajuda a entender
esse gesto virado para o futuro.
Folha - O que é que se está fundando com esse "gesto fundador"?
Kac - O gesto é fundador em dois
níveis, nas idéias e no nível material. No material, basta dizer que
se está trabalhando com organismos vivos. É a criação de genes
sintéticos, como em "Gênesis", ou
a clonagem de genes para criar
formas de vida que não existiam.
No nível das idéias também se está lidando com coisas novas. A
metáfora da vida como arte e da
arte como vida já existiu, mas eu
lido com a vida literalmente.
Folha - A manipulação genética
pode trazer grandes riscos para a
sociedade, não? Você mesmo não
tem medo de suas criações?
Kac - Acho que o temor que é expresso ocasionalmente deve ser
respeitado. Há razões históricas
para que haja esse temor. Basta
ver casos como a Segunda Guerra,
experiências de eugenia baseadas
em noções de pureza, de superioridade, de eliminação de diferenças. Ter preocupação é necessário, mas cada caso deve ser examinado de maneira detalhada. Temoroso mesmo é a preocupação
generalizada. Isso não é produtivo, não ajuda a identificar o que
merece a tensão gerada por essa
preocupação. Temos de respeitar
o temor e usá-lo produtivamente.
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