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Americano narra tempo esquecido das casas de ópio
Nick Tosches critica mundo massacrado pelo consumismo desenfreado a partir de metáfora do fim das tradições
Livro mescla reportagem jornalística com ficção para falar do modo de vida pós-industrial que destruiu o prazer de ser humano
ALEXANDRE MATIAS
COLABORAÇÃO PARA A FOLHA
A milenar arte de se desprender da realidade num luxuoso
clube reservado parece ser o
delírio mais narcisista da história ou um convite para a completa alienação social, mas nas
mãos do escritor norte-americano Nick Tosches se tornou a
melhor metáfora para um tempo humano que passou. Assim é
"A Última Casa de Ópio", curto
relato sobre a procura por uma
perdida tradição sagrada que
funciona como um testamento
para um mundo massacrado
pelo século 20.
Mais do que uma simples
apologia a um hábito lendário
que o vazio abarrotado de nossa
época tornou tabu, "A Última
Casa" é um libelo individualista
com a força juvenil de um
Thoureau ou Hakim Bey, mas
com sarcasmo e desprezo sábio
por tudo aquilo que, apesar de
parecer nobre, é supérfluo: a alta cozinha, o culto fresco-intelectual ao vinho, a globalização
e o tráfico internacional de drogas como recalques diferentes
de um detrator modo de vida
pós-industrial que destruiu o
sabor de ser humano. Tosches
conversou com a Folha sobre
este assunto.
FOLHA - "A Última Casa de Ópio" é,
ao mesmo tempo, um romance,
uma reportagem e um artigo, com
momentos que podem ser verdadeiros ou falsos, além de uma narrativa
que é pura digressão.
NICK TOSCHES - Verdade. Ficção.
Lenda. Literatura. Jornalismo.
São categorias, marcas. Nós
amamos categorias, amamos
marcas. Elas nos impedem de
termos de perceber por conta
própria. Mas, no fim das contas, dá no mesmo. No caso de
"A Última Casa de Ópio", direi
que tudo é verdade: a verdade
da experiência, a verdade do
meu coração.
FOLHA - À medida em que você
guia o leitor pelo livro, você também
descreve a destruição de um velho
mundo pelo modo de vida consumista da sociedade ocidental. Que
outros prazeres foram esquecidos
além do ópio?
TOSCHES - Perdemos o maior
prazer de todos que é o prazer
de sermos nós mesmos. O amor
pelo dinheiro, se tornar um rato numa cultura guiada pelo
consumo destes tempos, faz de
nós fraudes. Quando passamos
a maior parte de nossas horas
acordados num trabalho, fingindo que gostamos do trabalho, fingindo que gostamos de nosso chefe, fingindo que estamos interessados no nosso trabalho, então o fingimento se
torna um estilo de vida. Nós nos
tornamos o que T.S. Eliot chamava de "homens
ocos". Quase tudo o
que consumimos,
quase tudo o que
compramos é placebo. Esses produtos
de uma cultura consumista vazia é que
são as verdadeiras
drogas perigosas.
Nossa "guerra contra as drogas" deveria ser contra essas
coisas.
FOLHA - Vivemos em
dias em que até a crítica musical é considerada uma arte.
TOSCHES - "Arte" é
uma palavra besta.
Há muito tempo,
homens pintavam
imagens em cavernas. Hoje, as chamamos de arte. Para eles, era magia.
Agora não temos quase nenhuma magia e tudo é chamado de
arte. O pior cantor de música
pop é agora um "artista". De
novo, "arte" se torna uma categoria sem significado.
FOLHA - Como as pessoas podem
sair da segurança e do conforto da
vida diária e voltar a gostar do risco?
TOSCHES - Tendo a força e a coragem para não ligar para nada,
percebendo que este é o mundo dos aristocratas e não o seu,
percebendo que o dom imenso
e belo de respirar vivos é tudo o
que temos.
FOLHA - Você acha que espiritualidade, drogas e expansão de conhecimento estão conectadas umas às
outras ou isso é mais uma bobagem
new age?
TOSCHES - As drogas não tornam ninguém espiritual. Mas a
espiritualidade pode melhorar
as coisas. Tudo, das drogas à
consciência da brisa no ar. Mas
o ópio tem uma certa magia. É
uma vergonha podermos comprar toda a heroína que quisermos e ser tão difícil achar ópio.
Mais uma vez, isso é culpa de
nossa cultura consumista: ópio vale
mais dinheiro
quando se torna heroína. E também,
hoje em dia, todo
mundo quer o ritmo rápido da vida.
Ópio é uma lenta e
luxuosa sedução.
Eu posso andar 20
minutos de onde
moro e comprar armas, heroína, crack.
Mas eu não acho
ópio de verdade. Eu
não posso nem fumar um cigarro no
bar. É ridículo.
A ÚLTIMA CASA DE ÓPIO
Autor: Nick Tosches
Editora: Conrad
Quanto: R$ 25 (98
págs.)
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