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LIVROS
Crítica/"Indignação"
Novo romance de Philip Roth exibe vigor e inconformismo
"Indignação" trata da paranoia de um pai que tenta moldar a vida do seu filho
TATIANA SALEM LEVY
ESPECIAL PARA A FOLHA
Em artigo sobre o caso
Schreber, Freud afirma
que o paranoico é aquele que reconstrói seu mundo
subjetivo com o trabalho de
seus delírios. "Indignação", de
Philip Roth, que sai agora por
aqui, é um romance sobre a paranoia de um pai que, com seus
medos, molda a vida do filho.
Marcus Messner, judeu de
Newark, entra para a universidade cerca de dois meses após o
início da Guerra da Coreia.
Filho de um açougueiro ko-sher, Marcus é "um estudante
prudente, responsável, com notas excepcionais". Nada justifica, portanto, o receio do pai de
que ele venha a perder as rédeas do próprio destino. Nada
senão uma paranoia, a mesma
que guiará o livro do início ao
fim: "A razão é a vida, onde o
menor passo em falso pode ter
consequências trágicas".
Lá onde não existe nada, o pai
inventa um desastre por vir. Se
o filho some de casa, não é porque está na biblioteca, mas porque algo de terrível se anuncia.
Toda a narrativa se funda no
"e se" que, no decorrer do texto,
perde seu caráter inesperado e
se torna obrigatório. Algo tem
de suceder a Marcus, para que
se justifique o discurso paranoico do pai; para que, no fim, o
açougueiro possa repetir a si
mesmo que tinha razão.
Todos os acontecimentos da
trama -a transferência de universidade; o isolamento de
Marcus; o aparecimento da
"doidinha" Olivia Hutton- se
desenrolam para ratificar o medo. Os delírios do pai vão se tornando, aos poucos, a própria
história de Marcus. De início, o
mundo contraria a sua crença
de que algo dará errado. No entanto, ele alimenta a tal ponto
suas certezas que o discurso vai
se tornando realidade.
Ameaça da solidão
Narrado em primeira pessoa
pelo protagonista, o romance
de Roth descreve de forma magistral um ambiente que requer
uma existência social marcada:
o isolamento é visto como
ameaça, e a vida do indivíduo
deve ser partilhada com os demais. A solidão e o segredo precisam ser banidos da sociedade.
Todos invadem a vida de
Marcus de tal modo que provocam no estudante uma indignação crescente, a mesma do hino
nacional chinês, que ele repete
em silêncio cada vez que vê o
absurdo se dispor à sua frente.
Ao narrar para Olivia seu dia-a-dia no açougue, quando trabalhava ao lado do pai, Marcus
descreve o que fazia com a galinha: "Abre o cu com um corte,
enfia a mão bem fundo, agarra
as vísceras e puxa para fora.
Nauseabundo e repugnante,
mas tinha de ser feito". O mesmo parece ocorrer com ele: as
instituições o cortam para lhe
tirar as vísceras. Aviltante, mas
tem de ser feito.
É esse processo que termina
levando Marcus ao passo em
falso que conduz "a resultados
tão desproporcionais", anunciados a conta-gotas ao longo
da narrativa. O desastre chega,
descaracterizado de sua casualidade, reforçado pelo delírio da
linguagem. A paranoia do pai se
reflete na paranoia da literatura, aquela que cria um mundo
para si e dá a ele seus sentidos.
"Indignação" confirma o vigor de Roth, que, como Marcus,
é judeu de Newark. Apesar das
acusações de que sua prosa é
"demasiadamente americana",
restrita às suas experiências e
ao seu meio, Roth mostra mais
uma vez que o pessoal, na arte,
atravessa fronteiras. A indignação de Marcus é, sim, a de seu
criador, mas também a daqueles que não se conformam com
a sociedade em que vivem.
TATIANA SALEM LEVY é escritora, autora de
"A Chave de Casa" (Record)
INDIGNAÇÃO
Autor: Philip Roth
Tradução: Jorio Dauster
Editora: Companhia das Letras
Quanto: R$ 36 (176 págs.)
Avaliação: ótimo
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