São Paulo, domingo, 04 de julho de 2010

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Viver e morrer na TV

Ao transmitir em rede nacional a morte de um dos protagonistas, a série "Pesca Mortal" não só bateu recordes de audiência nos EUA como reacendeu o debate em torno dos limites dos reality shows

Divulgação
Cena do reality show norte-americano "Pesca Mortal", que registra as dificuldades vividas em alto mar durante a captura de caranguejos no Alasca

CRISTINA FIBE
DE NOVA YORK

"Você me ouve? Qual é o seu nome?" "Phil." "Você consegue sorrir para mim? Levantar as bochechas?" A paramédica cutuca o rosto de Phil, mas ele permanece imóvel, com os olhos virados.
O paciente é Phil Harris, 53, capitão do barco Cornelia Marie e uma das estrelas do reality show "Pesca Mortal", do Discovery Channel. A morte de Phil está marcada para o próximo dia 13, três semanas após ter um derrame em rede nacional, nos EUA.
Na vida real, o coração do pescador parou de bater em 9 de fevereiro, 11 dias depois de um AVC derrubá-lo, causando paralisia parcial. Na TV, a sua agonia terá durado quatro episódios, vistos por uma multidão de curiosos.
O primeiro, descrito acima, foi exibido no dia 22 e levou o canal pago aos melhores índices de audiência da história da série sobre pescadores de caranguejo -5,4 milhões de espectadores.
O recorde anterior era da estreia da sexta e atual temporada, que atraiu 4,6 milhões de pessoas ávidas por acompanhar a edição da morte anunciada.
Foi o suficiente para gerar comentários na mídia sobre os limites dos realities.
O Discovery Channel nega que tenha feito da tragédia uma oportunidade de lucro. Executivos do canal dizem ter seguido o desejo do próprio Phil, que escreveu um bilhete ao sair do coma induzido, após o derrame: "Continue gravando. É preciso que essa história tenha um fim".
O operador de câmera que acompanhava Phil, Todd Stanley, disse ao "New York Times" que procurou manter o bom gosto, evitando imagens que o "desumanizassem", como a troca do penico sob a cama do hospital.
Segundo Josh Harris, filho do capitão, a presença das câmeras foi limitada para evitar o estresse do doente, e elas não capturaram o momento da morte. Josh disse ao jornal que a família não pediu o corte de nenhuma cena, "queremos que [a série] seja o mais real possível".
O Discovery justifica a sequência como uma forma de "homenagem" ao capitão. O episódio em que é encontrado caído foi anunciado no site do canal como o clímax de "Pesca Mortal".

LIMITES
Em 2005, quando foi lançado, o programa era propagandeado como "o mais real dos realities". Desde então, outras séries passaram a testar os limites do público.
Recentemente, a protagonista de "Pretty Wild", por exemplo, foi presa depois de ter os meses prévios ao seu julgamento televisionados.
Os barracos das "Real Housewives", que chegam a envolver a polícia, se multiplicam, em novas versões, por cidades americanas.
"Os realities estão cada vez mais extremos. Estão contratando as pessoas mais loucas, que fazem qualquer coisa por aquilo. Assim, os programas acabam se afastando da realidade", diz a pesquisadora Sarah Coyne, da Brigham Young University.
Os momentos dramáticos, afirma Coyne, são os mais "empolgantes". Exibir o derrame e a agonia de alguém à beira da morte, no entanto, é "um pouco de exagero".


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