São Paulo, domingo, 04 de julho de 2010

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FERREIRA GULLAR

Made in China


Não resta dúvida, tudo o que se fabrica na China não dura. O difícil, porém, é escapar dessa armadilha

ENTREI NUMA loja para comprar um par de sapatos e me encaminhei à prateleira onde havia sapatos de sola e couro, do tipo tradicional. Os preços variavam de R$ 80 a R$ 120, mas, na prateleira ao lado, havia outros, também de sola e couro, que custavam menos da metade, entre R$ 30 e R$ 40. Chegou um freguês e começou a examiná-los, quando um homem se aproximou dele e falou: "Não compre isso, é sapato chinês, não presta. Comprei um par desses que durou exatamente dois meses".
Ouvi aquilo e concordei, mercadoria feita na China não presta. No meu caso não foi sapato, foi guarda-chuva. Como não tenho paciência de ir de loja em loja à procura do que necessito comprar, sou presa fácil dos camelôs. Assim foi que, como perdera meu décimo guarda-chuva, adquiri o primeiro que me foi oferecido na esquina. Custava R$ 5, uma pechincha, mas, em compensação, não durou três meses. Era chinês e eu não sabia e, por isso, comprei outro, de outro camelô, que durou menos ainda. Decidi, então, comprar numa loja e foi isso o que fiz. Esse custou R$ 20 e não durou mais que os outros. Fui verificar a origem dele e lá estava o "made in China".
Não resta dúvida, tudo o que se fabrica na China não dura. O difícil, porém, é escapar da armadilha, já que mesmo os produtos com marca conhecida -que você identifica como sendo alemã ou inglesa ou norte-americana- são feitos na China, porque lá se pagam os mais baixos salários do mundo, suas mercadorias invadiram todos os países e desbancaram os fabricantes nacionais.
Esses fabricantes, para não falirem, transferiram suas fábricas para a China, onde produzem artigos de preços competitivos e de baixa qualidade.
Este é um fenômeno surpreendente com que se defronta o mundo atual: surgiu no planeta um país onde a classe operária é cativa do Estado e, por isso, ganha o baixo salário que o governo determina. E esse governo é comunista! Como pode um regime marxista entregar a classe operária à exploração capitalista, quando o sonho de Marx era libertá-la? Pois é, em vez da ditadura do proletariado, a ditadura contra o proletariado.
Quando o meu quarto guarda-chuva quebrou, dei-me ao trabalho de verificar por que quebrara: as hastes de alumínio eram tão delgadas que foi até um milagre terem durado tanto. Nunca mais comprei nada que suspeitasse ter sido feito na China e só compro em loja, onde o risco é menor.
Foi, portanto, numa sucursal das Lojas Americanas que adquiri um aquecedor Britania para enfrentar o frio que cedo começou aqui no Rio. Frio pode ser exagero da minha parte, porque, para outros, a temperatura estava amena. É que eles não são, como eu, só pele e osso.
O aquecedor era bonito, leve, fácil de transportar de um cômodo a outro. Depois, como o tempo melhorou, deixei o aquecedor de lado, até recentemente, quando esfriou para valer. Liguei duas, três vezes; na quarta, ele pifou. Otimista que sou, não quis acreditar, dei um tempo, quem sabe ele voltaria a acender. Não voltou.
Como ainda estava na garantia, fui à procura da nota de compra e achei-a, mas -coisa curiosa- tudo o que nela estava escrito se apagara. Agora é assim: as notas que saem daquela maquininha, apagam com poucos meses -e como vou eu agora provar que comprei o aquecedor nas Lojas Americanas? Não posso, é claro. Em matéria de safadeza, o comércio capitalista é mesmo invencível!
O jeito foi levar o aquecedor ao Lucas, que conserta esses aparelhos, aqui perto de casa. Ele o abriu, examinou e verificou que três resistências haviam queimado. Telefonou, então, para lojas autorizadas, mas nenhuma delas tinha as tais resistências, que são importadas e não se sabe quando voltarão a recebê-las.
Diante disso, sem poder trocar o aquecedor nem consertá-lo, saí em campo atrás de outro para comprá-lo, desde que não fosse Britania. Andei por Copacabana inteira, fui de loja em loja e a resposta era a mesma: aquecedor, não temos mais, acabou o estoque. Sem alternativa, voltei à loja onde fizera a compra malograda e somente lá havia aquecedores, mas iguais ao que pifara. Pelo sim, pelo não, decidi verificar a procedência deles: "made in China".


AMANHÃ NA ILUSTRADA:
Luiz Felipe Pondé



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