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CINEMA
Diretor britânico está em mostra sobre filmes engajados, no CCBB-Rio
Ken Loach aponta "vácuo esquerdista" na Europa
THIAGO STIVALETTI
FREE-LANCE PARA A FOLHA
Quando se tenta falar de cinema
com o diretor inglês Ken Loach,
as respostas são lacônicas. Mas, se
o assunto é política, ele pode ficar
horas defendendo suas posições.
Maior expoente do realismo social britânico, surgido nos anos 60
com nomes como Alan Clarke e
Mike Leigh, Loach passou muitos
anos sem levantar bandeiras políticas na mídia ("Se começo a fazer
isso, as pessoas já entram no cinema com um olhar viciado para
ver meus filmes", dizia). A partir
da Guerra do Iraque, no entanto,
o diretor decidiu que era o momento de se mobilizar.
Seu penúltimo longa, "Sweet
Sixteen", é a principal atração da
2ª Mostra Internacional de Cinema Engajado, com cerca de 40 filmes, que acontece de hoje até o
dia 15, no CCBB-RJ. O filme mostra adolescentes que lutam para
sobreviver em um subúrbio de
Glasgow, Escócia, e ganhou prêmio de roteiro em Cannes (2002).
De Londres, por telefone, Ken
Loach falou à Folha.
Folha Em "Sweet Sixteen", o sr.
mistura de forma sutil a vida privada e o ambiente social dos personagens. Essa é uma tendência consciente do seu cinema?
Ken Loach - Isso depende da história que eu vou contar. Em filmes
como "Terra e Liberdade", sobre
a Guerra Civil Espanhola, a política está tão na superfície que não
há muito espaço para a intimidade dos personagens. Mas em histórias em que as pessoas não têm
vocação política, essa visão da sociedade aparece implícita. Em
"Sweet Sixteen" os personagens
não têm noção de política, apenas
lutam para sobreviver.
Folha - O sr. assiste a muitos filmes políticos?
Loach - Não sou um grande cinéfilo, não vejo todos os filmes que
deveria. Mas fiquei impressionado com "Cidade de Deus". É muito importante fazer filmes como
esse, em que a mensagem política
está no subtexto da trama.
Folha - Como o sr. vê o apoio do
governo britânico à política americana na Guerra do Iraque?
Loach - O governo inglês está
agindo como aquelas crianças
que fazem de tudo para entrar na
turma dos encrenqueiros. Ele e
Bush passam por cima das leis internacionais e vão à guerra baseados em uma mentira.
Muita gente pensa como eu no
Reino Unido. Blair destruiu o Partido Trabalhista, hoje não temos
mais um grande partido social.
Existe um completo vácuo na esquerda. Essa tendência de direitização dos partidos de centro-esquerda infelizmente é uma realidade em toda a Europa Ocidental.
Folha - Você é otimista quanto à
eleição do democrata John Kerry
nas eleições americanas deste ano?
Loach - Kerry é mais um porta-voz do grande capital, não devemos ter ilusões. Sua plataforma
não tem nenhuma grande diferença em relação à do Partido Republicano. Mas é claro que se livrar de Bush trará um pouco mais
de paz ao cenário internacional.
Folha - Há algumas semanas o sr.
comparou as atitudes de Bush à
atuação de John Wayne. O sr. gosta
de westerns?
Loach - Digamos que não é meu
gênero favorito [risos]. Não se pode negar que as idéias contidas no
western prepararam o caminho
para alguém como Bush. Ele gosta
de posar como o xerife que chega
de repente numa cidadezinha do
Velho Oeste e atira nos vilões.
Folha - Seu último filme, "Fond
Kiss", é a história de amor entre um
escocês muçulmano de origem paquistanesa e uma irlandesa católica. O que o interessou no roteiro?
Loach - A idéia surgiu depois do
11 de Setembro, quando muçulmanos de todo o mundo se sentiram mais vulneráveis ao serem
associados ao terrorismo. O protagonista identifica-se bastante
com nossa cultura, mas se revolta
quando é associado ao estereótipo do extremista. Na verdade,
Bush e Blair é que poderiam ser
chamados de terroristas cristãos,
já que fazem um uso ostensivo da
religião e falam de Deus o tempo
inteiro para fazer a guerra.
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