São Paulo, quarta-feira, 04 de agosto de 2004

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CINEMA

Diretor britânico está em mostra sobre filmes engajados, no CCBB-Rio

Ken Loach aponta "vácuo esquerdista" na Europa

THIAGO STIVALETTI
FREE-LANCE PARA A FOLHA

Quando se tenta falar de cinema com o diretor inglês Ken Loach, as respostas são lacônicas. Mas, se o assunto é política, ele pode ficar horas defendendo suas posições.
Maior expoente do realismo social britânico, surgido nos anos 60 com nomes como Alan Clarke e Mike Leigh, Loach passou muitos anos sem levantar bandeiras políticas na mídia ("Se começo a fazer isso, as pessoas já entram no cinema com um olhar viciado para ver meus filmes", dizia). A partir da Guerra do Iraque, no entanto, o diretor decidiu que era o momento de se mobilizar.
Seu penúltimo longa, "Sweet Sixteen", é a principal atração da 2ª Mostra Internacional de Cinema Engajado, com cerca de 40 filmes, que acontece de hoje até o dia 15, no CCBB-RJ. O filme mostra adolescentes que lutam para sobreviver em um subúrbio de Glasgow, Escócia, e ganhou prêmio de roteiro em Cannes (2002).
De Londres, por telefone, Ken Loach falou à Folha.
 

Folha Em "Sweet Sixteen", o sr. mistura de forma sutil a vida privada e o ambiente social dos personagens. Essa é uma tendência consciente do seu cinema?
Ken Loach -
Isso depende da história que eu vou contar. Em filmes como "Terra e Liberdade", sobre a Guerra Civil Espanhola, a política está tão na superfície que não há muito espaço para a intimidade dos personagens. Mas em histórias em que as pessoas não têm vocação política, essa visão da sociedade aparece implícita. Em "Sweet Sixteen" os personagens não têm noção de política, apenas lutam para sobreviver.

Folha - O sr. assiste a muitos filmes políticos?
Loach -
Não sou um grande cinéfilo, não vejo todos os filmes que deveria. Mas fiquei impressionado com "Cidade de Deus". É muito importante fazer filmes como esse, em que a mensagem política está no subtexto da trama.

Folha - Como o sr. vê o apoio do governo britânico à política americana na Guerra do Iraque?
Loach -
O governo inglês está agindo como aquelas crianças que fazem de tudo para entrar na turma dos encrenqueiros. Ele e Bush passam por cima das leis internacionais e vão à guerra baseados em uma mentira.
Muita gente pensa como eu no Reino Unido. Blair destruiu o Partido Trabalhista, hoje não temos mais um grande partido social. Existe um completo vácuo na esquerda. Essa tendência de direitização dos partidos de centro-esquerda infelizmente é uma realidade em toda a Europa Ocidental.

Folha - Você é otimista quanto à eleição do democrata John Kerry nas eleições americanas deste ano?
Loach -
Kerry é mais um porta-voz do grande capital, não devemos ter ilusões. Sua plataforma não tem nenhuma grande diferença em relação à do Partido Republicano. Mas é claro que se livrar de Bush trará um pouco mais de paz ao cenário internacional.

Folha - Há algumas semanas o sr. comparou as atitudes de Bush à atuação de John Wayne. O sr. gosta de westerns?
Loach -
Digamos que não é meu gênero favorito [risos]. Não se pode negar que as idéias contidas no western prepararam o caminho para alguém como Bush. Ele gosta de posar como o xerife que chega de repente numa cidadezinha do Velho Oeste e atira nos vilões.

Folha - Seu último filme, "Fond Kiss", é a história de amor entre um escocês muçulmano de origem paquistanesa e uma irlandesa católica. O que o interessou no roteiro?
Loach -
A idéia surgiu depois do 11 de Setembro, quando muçulmanos de todo o mundo se sentiram mais vulneráveis ao serem associados ao terrorismo. O protagonista identifica-se bastante com nossa cultura, mas se revolta quando é associado ao estereótipo do extremista. Na verdade, Bush e Blair é que poderiam ser chamados de terroristas cristãos, já que fazem um uso ostensivo da religião e falam de Deus o tempo inteiro para fazer a guerra.


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