São Paulo, sexta-feira, 04 de agosto de 2006

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Morre João Alexandre Barbosa

Crítico literário, ex-professor de letras da USP e ex-presidente da Edusp teve complicações renais após sofrer um AVC

Barbosa tinha 68 anos; em sua gestão à frente da Edusp, transformou-a em modelo de editora de instituições universitárias


MANUEL DA COSTA PINTO
COLUNISTA DA FOLHA

Um intelectual poliédrico. Assim poderia ser definido o ensaísta e crítico literário João Alexandre Barbosa -que morreu ontem aos 68 anos em São Paulo, após longo período de internação no Incor e de uma série de complicações renais que se seguiram a um AVC sofrido no início do ano.
Nascido em Recife em 1937, autor de estudos sobre os poetas João Cabral de Melo Neto e Paul Valéry, João Alexandre teve fundamental papel na consolidação do Departamento de Teoria Literária e Literatura Comparada da USP como um centro de referência para os estudos literários, além de ter mudado o panorama editorial brasileiro com sua atuação à frente da Edusp.
No prefácio a seu último livro publicado em vida, "Mistérios do Dicionário" (Ateliê), ele definiu os textos ali coligidos como "escritos de um leitor que, cada vez mais, gosta menos das "grandes teorias" e mais se compraz em exercer, com liberdade e alegria, o jogo de relações, as descobertas de pequenas e inesperadas relações que a literatura tem para oferecer".
No entanto, mesmo nos ensaios esparsos, publicados em jornais e revistas literárias, percebia-se a recorrência obsessiva de certos temas, como a noção de "releitura", termo que se refere não apenas ao ato de reler um livro, mas ao reconhecimento das camadas de significado que vão sendo semeadas numa grande obra literária e que só podemos compreender quando, terminada a leitura, tornamos ao início.
Sob a liberdade e a alegria do leitor, portanto, havia uma paixão pela teoria responsável por um livro como "A Leitura do Intervalo" (Iluminuras), no qual faz uma reflexão sobre as representações ficcionais de conteúdos extraliterários sem cair nos pólos opostos do reducionismo sociológico ou do formalismo.
Orientando de Antonio Candido no fim dos anos 60 (quando, após ser expulso da UnB por motivos políticos, veio para São Paulo), seus estudos sobre José Veríssimo são complementares aos trabalhos sobre Silvio Romero feitos pelo autor de "Brigada Ligeira" -o que assinala uma preocupação comum em compreender como se formou no Brasil um pensamento crítico e a própria idéia de uma cultura literária.
Mesmo nesses momentos de grande complexidade conceitual, porém, ele seguiu o modelo do francês Valéry (sobre quem deixou um livro inédito, a ser publicado pela Iluminuras). Preferia a escrita fragmentária ou, como costumava dizer, um "sentido de anotação", que consiste em transpor para a escrita os acasos da experiência literária, recusando os sistemas totalizantes -que seriam uma maneira de "pacificar" a leitura, fixando um sentido unívoco para o fenômeno literário.
A paixão de João Alexandre pela literatura ia além do ato silencioso da leitura, envolvendo a relação tátil com o livro. Por isso, uma de suas obras mais importantes foi o trabalho como editor. Presidente da Edusp entre 1988 e 1993, transformou uma instituição que apenas participava de projetos de outras empresas numa editora de fato, com identidade visual própria e um catálogo de rara coerência intelectual -e que constituiu modelo para o hoje importantíssimo segmento das editoras universitárias.


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