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Crítica/jornalismo
Estudos abordam imprensa brasileira pós-redemocratização
Teses analisam as relações entre democracia e jornalismo no país e as mudanças introduzidas por novas tecnologias
ESPECIAL PARA A FOLHA
Há quem ache que os
jornais impressos diários vivem uma crise
séria, que talvez até ameace o
seu futuro, mas estudos de boa
qualidade intelectual e sem
desvios ideológicos sobre eles
parecem estar florescendo na
comunidade acadêmica brasileira.
É o que se pode depreender
de duas teses recentemente defendidas que tratam de fenômenos históricos quase contemporâneos. Uma, de doutorado na Universidade de Londres, de autoria de Carolina
Oliveira Mattos; outra, de mestrado na Universidade de São
Paulo, feita pelo excelente repórter Lourival Sant'Anna.
O trabalho de Mattos trata da
relação entre jornalismo (com
ênfase no papel desempenhado
pela Folha, "O Globo", "O Estado de S. Paulo", "Isto É" e "Veja") e democracia política no
Brasil entre 1984 e 2002. O de
Sant'Anna, de como três jornais (Folha, "O Globo" e "O Estado de S. Paulo") têm respondido às inovações tecnológicas,
à queda de leitura e à concorrência com novos meios ao longo deste século.
O grande traço comum entre
as duas monografias são seus
marcos teóricos, que -embora
não idênticos- distanciam-se
da matriz que norteou a grande
maioria dos estudos brasileiros
sobre os meios de comunicação
de massa na sociedade, derivada da inspiração (com freqüência distorcida) dos ensinamentos da Escola de Frankfurt.
Abordagem funcionalista
Lourival Sant'Anna, no seu
prólogo, afirma de maneira direta e sem subterfúgios que,
"embora autores europeus
também sejam citados [na sua
tese], predomina a abordagem
funcionalista americana". Mattos, em explanação mais longa
e bibliograficamente bem embasada, diz "simpatizar com a
visão liberal-pluralista da mídia e com a análise crítica político-econômica".
Só o fato de que os dois operaram livres das amarras ideológicas que acorrentaram durante décadas a pesquisa sobre
a mídia no país já significou um
ponto de partida que lhes deu
grande vantagem sobre muitos
dos seus antecessores.
Mattos e Sant'Anna mostram-se preocupados em de fato conhecer e explicar a realidade, não em justificar preconceitos conspiracionistas de como grandes veículos de comunicação manipulam a consciência da população e ditam os rumos políticos da nação.
Diretas-Já
A tese de Mattos analisa com
detalhes o período de fortalecimento da sociedade civil brasileira durante o processo da
campanha das Diretas-Já e a
importância da mídia -em
particular da Folha- naquele
momento histórico. Mostra como o Projeto Folha caminhou
de uma proposta "revolucionária" (entre aspas mesmo pela
própria autora) para um jornalismo dirigido ao mercado. Depois, estuda a consolidação da
imprensa no livre mercado nos
anos 1990.
Suas conclusões são sólidas,
nada simplistas. Ela afirma que
a "grande imprensa" deu uma
contribuição para o avanço da
democracia no país nas duas
décadas em exame. E mostra
como o mercado foi uma força
a favor da inclusão de novos cidadãos na esfera pública, em
grande parte via consumo de
veículos de comunicação, que
se tornaram mais acessíveis a
eles.
Demonstra que a consolidação dos ideais liberais do jornalismo tem sido em geral positiva para a mídia e para a sociedade brasileiras. Mas ressalta
as muitas contradições que
existem em todo esse universo
e nessa seqüência de situações
que envolvem múltiplos atores.
A mídia não é determinante sozinha de nada: influencia a sociedade e é influenciada por
ela, tenta seguir modelos
ideais, mas é atropelada pelas
condições objetivas da realidade. Não há reducionismos maniqueístas nas conclusões de
Mattos.
De certa maneira, Sant'Anna
captura quase o mesmo objeto
do estudo de Mattos (embora o
de Mattos inclua também revistas semanais, a prioridade
que ela dá aos jornais diários é
indiscutível) no momento seguinte ao da consolidação da
democracia e das leis do livre
mercado no setor específico do
jornalismo diário. Ou seja, durante e logo após a superação
parcial da grave crise econômica que atingiu toda a indústria
cultural brasileira no início do
século 21.
Ele se concentra na questão-chave que aflige todos os apaixonados pelo jornal impresso
diário: esse produto vai sobreviver nas próximas cinco ou
seis décadas?; caso sobreviva,
em que condições?
Conclusões precipitadas
Sant'Anna avisa com absoluta razão: "Este é um campo no
qual conclusões precipitadas
não são aconselháveis". Constata que há os que já decretaram a morte dos diários, até
com data marcada, e os que estão convencidos de sua eternidade. "A verdade provavelmente reside em algum ponto, entre
os dois extremos".
Por isso, diz Sant'Anna, suas
conclusões, menos do que conclusões, são mediações entre
profecias. Recomenda que os
jornais mudem para se manter
úteis no mercado de informações. Dá-se conta de que isso
não será tarefa fácil. Verifica
que os ativos que o diário acumulou em mais de cem anos de
história não são desprezíveis
nem triviais, do ponto de vista
da sociedade, dos anunciantes,
dos agentes públicos. Isso lhes
dá uma base boa para garantir
sobrevida de qualidade. Mas
nada é garantido.
O que importa, menos do que
acertos e erros das conclusões
desses dois trabalhos, é que eles
mostram que a academia pode
contribuir para a compreensão
mais acurada do universo da indústria cultural brasileira e, em
conseqüência, para o seu aprimoramento, do qual resultará
alguma melhoria para a sociedade.
(CARLOS EDUARDO LINS DA SILVA)
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