São Paulo, segunda-feira, 04 de agosto de 2008

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Sérgio Ricardo, ano zero

Aos 76, o cantor e compositor sai do isolamento e reengrena a longa carreira lançando aquele que considera o seu mais bem realizado disco, não por acaso batizado de "Ponto de Partida"

Rafael Andrade/Folha Imagem
Sérgio Ricardo com o violão, hoje; o músico mostra inéditas e recria antigas no CD

LUIZ FERNANDO VIANNA
DA REPORTAGEM LOCAL

"Vou Renovar", uma de suas músicas mais conhecidas, não está no CD, mas "Ponto de Partida" está e serve tão bem quanto a outra serviria como faixa-título do novo disco de Sérgio Ricardo. Pois, para ele, não é "um" disco, mas "o" disco.
Aos 76 anos, o cantor, compositor, ator, cineasta, dramaturgo e pintor ("como dizia [o compositor] Maurício Tapajós, de saudosa memória, só me faltou dançar balé", brinca) espanta a dispersão que é marca de seus mais de 50 anos de carreira e se concentra num projeto de reconstrução de sua música, hoje pouco cantada.
"Não me lembro de nenhum disco que eu tenha gravado com a preocupação com seu lançamento como este. Parte por minha culpa. Eu me recusava a atender aos chamados para entrevistas de rádio e TV, e raramente tinha tempo disponível para me promover, pois a dedicação quase integral era à criação. E parte por conta da insatisfação de ter sido, quase sempre, vítima de arranjos que não atingiam minha expectativa estética", diz João Lutfi (Sérgio Ricardo é nome artístico), paulista de Marília.
Mas a mudança de comportamento não veio de estalo. "Ponto de Partida", que encerra oito anos de abstinência fonográfica (o último disco foi o despercebido "Quando Menos se Espera"), deve-se ao empenho da família de Sérgio, em especial da filha Marina Lutfi, 33, designer e cantora, que criou o projeto e arrumou patrocínio da Petrobras para viabilizá-lo.
"Ele precisava dessa mexida. Até para poder enxergar que a música dele não envelheceu e que a música brasileira não morreu", diz Marina, que arrastou o pai para shows de artistas talentosos que ele não conhecia, como Edu Krieger, Nicolas Krassik e os irmãos Alain Pierre, Marcelo Caldi e Alexandre Caldi, todos participantes do CD, assim como Hamilton de Holanda e outros. "Eles ainda não se exauriram a ponto de se apoiarem em muletas ou cacoetes", festeja Sérgio.

Vidigal
Não fosse esse empurrão, ele talvez ainda estivesse compondo, pintando e escrevendo para seu próprio deleite no apartamento-estúdio onde passou a maior parte dos últimos 40 anos, no Vidigal, morro da zona sul do Rio que já foi cenário de muitas batalhas entre quadrilhas de traficantes ou entre tráfico e polícia. Da janela, Sérgio vê o mar e a favela, os extremos da cidade em um só quadro.
"Aqui [no Vidigal] aprendi tudo o que se possa imaginar. Principalmente, materializar minha percepção de vida, conviver com seres simples e apreciar sua sabedoria", afirma ele, que no final da década de 70 experimentou morar durante um ano num barraco, lutou com os vizinhos contra a remoção de moradias -foram defendidos gratuitamente pelo advogado Sobral Pinto (1893-1991)- e incluiu no CD dois sambas passados na favela: "Fantasma" e o inédito "Maria do Tambá".


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