São Paulo, segunda-feira, 04 de agosto de 2008

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CD refaz as canções políticas

"Deus e o Diabo na Terra do Sol" ganha "arranjo sinfônico" e alusões à ditadura militar são regravadas

"Ponto de Partida" também remete à bossa nova, da qual Sérgio se desligou após algum sucesso; "Fui sempre muito rebelde", afirma ele


DA REPORTAGEM LOCAL

O que poderia se chamar, a grosso e amplo modo, de lado sociopolítico da obra de Sérgio Ricardo está presente no disco, é claro. Foi a faceta que ficou mais marcada. Está nas composições que, com estilos variados e novos arranjos, bebem em temáticas populares ("Enquanto a Tristeza Não Vem", "Beira do Cais", a pouco conhecida "Dulce Negra" e a inédita "Palmares") e nas que fazem referência à ditadura militar (1964-85), quando ele era um dos alvos prediletos da Censura. São os casos de "Lá Vem Pedra" ("Pra que batucada se não tem samba?") e "Contra Maré" ("Quem vai pro fundo/ Tem é que agitar o braço/ Tem é que apertar o passo/ Tem é que remar contra a maré"). "Não me arrependo [de ter ficado marcado como um artista antiditadura], e faria tudo de novo se fosse preciso. O ruim é que me calaram a voz. Quando veio a abertura, meu nome já tinha sido apagado da memória do povo", afirma.

Violão
Curiosamente, não foi o regime militar que calou sua voz no momento mais notório de sua carreira. Na final do 3º Festival da Record, em 1967, o público o vaiou durante toda a interpretação de "Beto Bom de Bola", queimando o assumido pavio curto de Sérgio e o levando a, descontrolado, gritar "Vocês ganharam!", quebrar o violão e atirá-lo na platéia (a cena pode ser vista no YouTube). "O violão quebrado não atrapalhou em nada minha carreira. Orgulho-me do gesto, principalmente por ter ocorrido no momento certo. O que me atrapalha é a perseguição do jargão oriundo do gesto: "o homem que quebrou o violão". Mas, depois de tantos anos, já está abrandando a curiosidade geral", acredita. E, na verdade, seu instrumento mesmo é o piano. Foi com ele que começou a tocar na noite, nos anos 50, passando a experimentar o violão por causa de João Gilberto -com quem morou- e da bossa nova. Sua fase bossa está no novo CD em "Ausência de Você", "Poema Azul" -gravada por Maria Bethânia em "Mar de Sophia" (2006)- e "Folha de Papel", as três com arranjos bem diferentes dos originais. "A bossa nova foi generosa comigo adotando algumas de minhas composições românticas e alguns sambas. Cheguei a participar do célebre concerto do Carnegie Hall [em Nova York, em 1962]. Mas não fui fiel à sua continuidade, por ambicionar outros caminhos temáticos. Fui sempre muito rebelde para me atrelar a rótulos." As idéias políticas e estéticas do cinema novo o tomaram de assalto e ele mudou de time. Fez a canção "Barravento" -que abre "Ponto de Partida"- inspirado no primeiro longa-metragem de Glauber Rocha (de 1962), e pouco depois (1964) criou para o amigo cineasta a trilha de "Deus e o Diabo na Terra do Sol". A música-tema foi completamente refeita (no piano) para o CD, ganhando o que ele chama de "arranjo sinfônico", com cello, violino e viola. "Olho para trás com orgulho. Mas eu seria mentiroso se dissesse que não me arrependo de nada. Meu principal defeito, pelo qual estou pagando a peso de ouro, foi não ter tido o cuidado necessário de manter minha carreira administrada profissionalmente", avalia Sérgio, que busca compensar essa falha com o novo disco e os shows que planeja fazer. É o que ele diz na letra de "Ponto de Partida": "Tenho pra minha vida a busca como medida".
(LFV)

PONTO DE PARTIDA
Artista: Sérgio Ricardo
Gravadora: Biscoito Fino
Quanto: R$ 30, em média



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