São Paulo, segunda, 4 de agosto de 1997.



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LITERATURA
Obra do escritor uruguaio fala do retorno de ex-exilado
Mario Benedetti aborda memória do exílio no romance 'Andaimes'

ALZIRA BRUM LEMOS
especial para a Folha, de Madri

"Andaimes" é o título do novo romance do uruguaio Mario Benedetti, que está sendo lançado simultaneamente em diversos países de língua espanhola.
Benedetti, autor de mais de 50 obras, já visitou todos os gêneros: romance, poesia, ensaio, contos, crônicas, jornalismo e letras de música. Uma trajetória marcada pelos acontecimentos da história recente de seu país e da América Latina e pela militância política.
Nesse romance, ele trata do reencontro de um ex-exilado com o Uruguai de hoje e dos vários níveis das estruturas provisórias que compõem a "pátria", "este lugar onde não estou", segundo a estrofe de Pessoa várias vezes citada.
"O exílio", disse o autor em entrevista à Folha em Madri, "é um tema recorrente na literatura e não está superado. No que diz respeito ao Uruguai, um país de 3 milhões de habitantes dos quais 1 milhão, por um motivo ou por outro, experimentou o exílio, é uma questão vital. Além disso o exílio econômico e político segue ocorrendo em todas as partes do mundo".
Para abordar esse tema, Benedetti -um ex-exilado que viveu em Buenos Aires e Madri- utiliza um neologismo criado por ele em uma de suas crônicas jornalísticas: "desexílio".
Escrito em 75 capítulos, que aludem à idade do autor na época da escritura, "Andaimes", segundo Benedetti, tem como tema a memória. "Apesar de ser eu mesmo um desexilado, advirto que não se trata de uma autobiografia, mas de um puzzle de ficção, compaginado à mercê de realidades várias, quase todas alheias ou inventadas e alguma que outra própria."
O título "Andaimes" é uma referência ao processo de desconstrução-reconstrução dos projetos de uma geração que acreditou quase religiosamente em seu próprio lugar como vanguarda da sociedade.
"É uma metáfora que alude à estrutura provisória. A democracia uruguaia foi destruída e agora precisa de andaimes. A democracia é um regime em construção cujo edifício jamais está terminado. Esse romance é feito de pequenas contribuições que pretendem ajudar nessa reconstrução."
Mas não se espere uma análise antropológica, sociológica ou psicológica dos cidadãos e da sociedade uruguaia. Benedetti afirma não estar tampouco "muito seguro" de que esse livro seja propriamente um romance. "Andaimes" não se enlaça numa narrativa tradicional. Os capítulos aparecem soltos, são quase pequenos contos.
Os diversos elementos escriturais em jogo -diálogos, monólogos, reflexões, recordações, sonhos, cartas, artigos de imprensa, poemas etc.- compõem uma obra em construção.
"O desexilado se enfrenta com seu país pessoal, com o país próprio de antes, com o país próprio de agora. Mais que se enfrentar a um conglomerado social ou a um país oficial e oficioso, ele se dedica a buscar seus pontos de vista e pautas de referência privados.
Aqui e ali vai comprovando a validade ou invalidade de sua saudade como forma rudimentar de verificar até onde seu país é o mesmo de quando partiu."
Se não é autobiográfico, "Andaimes" condensa "dois Benedettis": um escritor fiel a uma eleição de juventude -"Todos os reformadores foram jovens. A juventude é sempre revulsiva, em qualquer época da história. O velho em geral não quer vincular-se aos pecados do passado."- e outro cuja reflexão madura é resultado da batalha cotidiana com a palavra. "A verdadeira história dos povos passa mais pela poesia que pela prosa; a poesia se move com mais independência, sem complexos, sem dívidas."
Literatura e política
Mario Benedetti (Paso de los Toros, Uruguai, 1920) é talvez a mais conhecida personalidade literária de seu país, faceta acompanhada de uma incansável atividade política. Começou como jornalista e fez parte da redação do jornal "A Marcha". No fim dos anos 40 publicou seu primeiro livro de contos. Em 1943, seu primeiro romance, "Quem de nós".
"A Trégua", aparecido em 1960, foi seu primeiro grande êxito editorial. Teve centenas de edições, foi traduzido para 19 idiomas e adaptado para rádio, televisão e cinema. A partir de 1973, quando sai do Chile, Benedetti viveu na Argentina, no Peru, em Cuba e na Espanha, países onde exerce intensa atividade política e literária.
Mario Benedetti publicou mais de 50 livros em diversos gêneros.



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