São Paulo, domingo, 04 de setembro de 2005

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ARTES PLÁSTICAS

Historiador da arte vem ao Brasil, propõe releitura de Kant e prepara quatro volumes de teoria estética

Thierry de Duve troca "beleza" por "arte"

FABIO CYPRIANO
DA REPORTAGEM LOCAL

Imagine que um antropólogo marciano chegue à Terra e, sem conhecer nada, portanto, sem preconceitos, comece a observar os hábitos humanos. Então, percebe que, em quase todas as línguas humanas, existe uma palavra cujo sentido lhe escapa. É a palavra "arte".
A partir dessa idéia, o historiador da arte Thierry de Duve desenvolve no livro "Em Nome da Arte - Por uma Arqueologia da Modernidade", publicado na França, uma teoria de como compreender a produção artística na contemporaneidade. Agora, Duve desenvolve um projeto muito mais complexo, uma "Teoria da Arte" que terá quatro volumes com sua primeira unidade sendo lançada no próximo ano.
Para tanto, Duve tem conversado com distintas audiências sobre suas idéias centrais, como teste para o novo livro. Além de Israel e Brasil -o pensador falou a platéias lotadas no Centro Universitário Maria Antonia na semana passada-, Cuba e Espanha estão na rota das "cobaias".
Crítico que mudou a forma de se analisar a importância de Marcel Duchamp (1887-1968) na cena artística, Duve não tem ainda livros publicados no Brasil, mas negocia com uma editora a publicação de "Kant After Duchamp" (Kant a partir de Duchamp). Suas idéias, entretanto, circulam no meio acadêmico do país -estavam presentes no projeto vencedor de Lisette Lagnado para a 27ª Bienal de São Paulo. "Creio que ele é de fato um criador, suas idéias foram muito importantes para acrescentar o Acre no conceito da Bienal", diz Lagnado.

Releitura
Após visitar o Museu de Arte Moderna de São Paulo, na última quinta, Duve contou à Folha sobre os conceitos centrais de seu novo livro: "A idéia é muito simples. Creio que [o filósofo Immanuel] Kant continua como o mais importante teórico da estética, mas há um enorme desentendimento sobre sua teoria de universais. Em meu novo livro, o que proponho é relê-lo de uma nova forma. Onde ele escrevia "belo", devemos ler "arte'".
À primeira vista, pode soar estranho a reutilização de uma teoria formada no século 18, período em que Kant (1724-1804) escreveu a maior parte de sua obra. "Minha teoria é contra outras teorias que dizem que não precisamos mais de estética. É claro que muitas transformações ocorreram desde o século 18. Naquele período ninguém se apresentava como artista, e sim como pintor ou escultor. As utopias iluministas também deixaram de ter razão, mas, quando Kant defendia os universais, não significava um sistema totalizante", afirma Duve.
Entre as observações às correntes formas de crítica de arte, Duve aponta a representação e a identidade como valores que devem ser relativizados. "Nos anos 70 e 80, muito se escreveu sobre representação, conceito que vem de representatividade. Eu não acredito que o artista seja uma pessoa eleita, que ele tenha um mandato. A arte não representa nada, muitas vezes nem o próprio artista", diz.
Mesmo o multiculturalismo, conceito em voga atualmente, passa pela crítica de Duve: "Muitos defendem que há uma arte chinesa, uma arte africana ou uma arte gay. Eu não concordo, pois essa é uma forma de transformar a arte num gueto. Do ponto de vista político, o multiculturalismo é uma crítica ao imperialismo, com o que eu concordo, mas acredito que existe uma direção universal para a arte".
Outra reviravolta proposta pelo pensador belga e professor do Departamento de Artes Plásticas da Universidade de Lille, na França, é sobre sua compreensão de Duchamp: "Eu não creio que foi ele quem mudou o conceito de arte, pois isso não é papel para uma pessoa isolada. Ele foi, sim, o mensageiro da mudança do que se entedia por belas artes para passar a ser chamado simplesmente de arte".

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