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ARTES PLÁSTICAS
Historiador da arte vem ao Brasil, propõe releitura de Kant e prepara quatro volumes de teoria estética
Thierry de Duve troca "beleza" por "arte"
FABIO CYPRIANO
DA REPORTAGEM LOCAL
Imagine que um antropólogo
marciano chegue à Terra e, sem
conhecer nada, portanto, sem
preconceitos, comece a observar
os hábitos humanos. Então, percebe que, em quase todas as línguas humanas, existe uma palavra cujo sentido lhe escapa. É a
palavra "arte".
A partir dessa idéia, o historiador da arte Thierry de Duve desenvolve no livro "Em Nome da
Arte - Por uma Arqueologia da
Modernidade", publicado na
França, uma teoria de como compreender a produção artística na
contemporaneidade. Agora, Duve desenvolve um projeto muito
mais complexo, uma "Teoria da
Arte" que terá quatro volumes
com sua primeira unidade sendo
lançada no próximo ano.
Para tanto, Duve tem conversado com distintas audiências sobre
suas idéias centrais, como teste
para o novo livro. Além de Israel e
Brasil -o pensador falou a platéias lotadas no Centro Universitário Maria Antonia na semana
passada-, Cuba e Espanha estão
na rota das "cobaias".
Crítico que mudou a forma de
se analisar a importância de Marcel Duchamp (1887-1968) na cena
artística, Duve não tem ainda livros publicados no Brasil, mas negocia com uma editora a publicação de "Kant After Duchamp"
(Kant a partir de Duchamp). Suas
idéias, entretanto, circulam no
meio acadêmico do país -estavam presentes no projeto vencedor de Lisette Lagnado para a 27ª
Bienal de São Paulo. "Creio que
ele é de fato um criador, suas
idéias foram muito importantes
para acrescentar o Acre no conceito da Bienal", diz Lagnado.
Releitura
Após visitar o Museu de Arte
Moderna de São Paulo, na última
quinta, Duve contou à Folha sobre os conceitos centrais de seu
novo livro: "A idéia é muito simples. Creio que [o filósofo Immanuel] Kant continua como o mais
importante teórico da estética,
mas há um enorme desentendimento sobre sua teoria de universais. Em meu novo livro, o que
proponho é relê-lo de uma nova
forma. Onde ele escrevia "belo",
devemos ler "arte'".
À primeira vista, pode soar estranho a reutilização de uma teoria formada no século 18, período
em que Kant (1724-1804) escreveu
a maior parte de sua obra. "Minha
teoria é contra outras teorias que
dizem que não precisamos mais
de estética. É claro que muitas
transformações ocorreram desde
o século 18. Naquele período ninguém se apresentava como artista, e sim como pintor ou escultor.
As utopias iluministas também
deixaram de ter razão, mas, quando Kant defendia os universais,
não significava um sistema totalizante", afirma Duve.
Entre as observações às correntes formas de crítica de arte, Duve
aponta a representação e a identidade como valores que devem ser
relativizados. "Nos anos 70 e 80,
muito se escreveu sobre representação, conceito que vem de representatividade. Eu não acredito
que o artista seja uma pessoa eleita, que ele tenha um mandato. A
arte não representa nada, muitas
vezes nem o próprio artista", diz.
Mesmo o multiculturalismo,
conceito em voga atualmente,
passa pela crítica de Duve: "Muitos defendem que há uma arte
chinesa, uma arte africana ou
uma arte gay. Eu não concordo,
pois essa é uma forma de transformar a arte num gueto. Do ponto de vista político, o multiculturalismo é uma crítica ao imperialismo, com o que eu concordo,
mas acredito que existe uma direção universal para a arte".
Outra reviravolta proposta pelo
pensador belga e professor do Departamento de Artes Plásticas da
Universidade de Lille, na França, é
sobre sua compreensão de Duchamp: "Eu não creio que foi ele
quem mudou o conceito de arte,
pois isso não é papel para uma
pessoa isolada. Ele foi, sim, o
mensageiro da mudança do que
se entedia por belas artes para
passar a ser chamado simplesmente de arte".
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