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FERREIRA GULLAR
Ah, se não fosse a realidade
Alguns petistas -membros
do PT ou simpatizantes, a
exemplo do próprio Lula- tentam induzir a opinião pública a
acreditar que a crise que assola o
governo é fruto de uma conspiração de direita. Essa era uma das
intenções de Lula no discurso em
que aludiu a Getúlio Vargas, João
Goulart e Juscelino Kubitschek
como vítimas de conspirações semelhantes. Cumpre dizer, a bem
da verdade, que nem Vargas nem
Jango nem Juscelino fizeram governos de esquerda e, portanto,
não poderiam ter sido vitimados
por uma conspiração de direita,
como quis induzir Lula. Vargas
foi vitimado pelo ódio udenista,
originado em seu governo autoritário que durou de 1937 a 1945.
Jango, herdeiro de Vargas, teve
também esse ódio udenista contra si, agravado pela histeria anticomunista da Guerra Fria. Jango,
como se sabe, nunca foi de esquerda. Quanto a Juscelino ter feito
um governo esquerdista, é tese
tão fora de propósito que me nego
a considerá-la.
Sei que é chover no molhado
perguntar se Lula faz um governo
de esquerda, mas, para eliminar
qualquer dúvida, é melhor ver esta questão de perto. Lula deixou
claro o rumo que imprimiria ao
governo no momento em que
compôs o ministério. Na Fazenda, Palocci, para dar continuidade à política econômica "neoliberal" do governo Fernando Henrique; na Indústria e Comércio e na
Agricultura, dois empresários de
comprovada eficiência em seus
respectivos ramos de atividades.
Nada mais bem comportado.
Mas vamos aos outros ministérios, os da área social, que foram
entregues a "companheiros". Que
programas de esquerda se implementaram nesses ministérios? Será o Fome Zero um programa revolucionário, que ameaça a classe
dominante? Pelo contrário, trata-se, como se sabe, de um programa
assistencialista, que continua e
amplia o que já existia antes. E o
Ministério das Cidades, por acaso
implantou-se nele um projeto revolucionário de reforma urbana?
E o que foi realizado no plano da
reforma agrária, terá sido tão radical a ponto de tirar o sono às
classes conservadoras? Ao que se
sabe, nem mesmo as promessas
de campanha eleitoral ao MST
foram cumpridas, razão por que
as invasões continuaram até as
vésperas da crise e só pararam
porque Stedile não deseja agravar
ainda mais a situação periclitante do companheiro Lula. Como
resultado de tudo isso, os pobres
estão quietos, os exportadores faturam alto e os banqueiros obtêm
os maiores lucros de toda a história do capitalismo brasileiro. Em
face de semelhante quadro, se algum conspirador de direita decidiu investir contra Lula, deve estar a esta hora internado numa
clínica psiquiátrica.
O governo Lula conta, portanto,
com o apoio das classes produtoras, dos banqueiros e dos partidos
conservadores, à exceção do PFL.
Hoje, as críticas mais duras à sua
atuação vêm da esquerda: do
PSOL e da ala inconformada do
PT. Logo, essa história de conspiração de direita não passa de
uma balela que visa a encobrir as
verdadeiras causas da crise: o caixa dois, o "mensalão", a farra da
grana a circular em malas e maletas, cuecas e carros-fortes.
O PT não tem e nunca teve um
programa de governo. Organização meramente ideológica, seu
objetivo era tomar o poder e ocupar a máquina do Estado para
então mudar a sociedade brasileira. Mas mudar em que direção e
como? Não importava. Em sua visão esquemática, pensava em torná-la "justa" e, quem sabe, socialista. Que medidas seriam tomadas, que projeto seria implantado, que recursos seriam investidos, de onde viriam os recursos?
Não tinha respostas claras para
tais questões, que importavam
pouco. Primeiro tomaria o poder
e, então, com "vontade política",
resolveria todos os problemas.
Talvez pensassem assim ao fundar o partido e nos anos iniciais
de militância, mas, logo que ocuparam as primeira prefeituras e
conheceram o gosto do poder,
renderam-se aos acordos espúrios
e às negociatas. Acresce que, entre
a fundação do PT e muito antes
de sua chegada ao Planalto, deu-se a derrocada do sistema socialista, o que veio tornar ainda
mais difícil a definição de um rumo para os partidos de esquerda.
Como a implantação do socialismo tornou-se inalcançável, o
oportunismo ocupou o lugar da
utopia. A partir daí, chegar à Presidência da República, para o PT,
era mera ambição de poder pelo
poder, e a corrupção substituiu a
ideologia Isso explica porque os
dirigentes petistas não enriqueceram, apesar da vultosa grana que
manipulavam. O objetivo era fortalecer o partido e corromper os
outros.
Só não contavam com os tropeços da realidade. Agora, como
aquele paciente da psicóloga Karen Horney, devem lamentar desapontados: "Ah, se não fosse a
realidade!"
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