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"É difícil se recuperar do sucesso"
Guillermo Del Toro, diretor de "Hellboy 2", fala sobre as mudanças em sua carreira após o êxito de "Labirinto do Fauno"
Diretor mexicano diz que,
ao chegar a Hollywood, só
ofereciam a ele "filmes
sobre temas astecas,
mariachis, toureiros"
MARCO AURÉLIO CANÔNICO
ENVIADO ESPECIAL A LOS ANGELES
Depois de duas horas de entrevistas coletivas com os atores de "Hellboy 2 - O Exército
Dourado" num hotel em Los
Angeles, um consenso fica nítido: o mexicano Guillermo del
Toro, diretor dos dois filmes
sobre o herói demoníaco das
HQs, não é mais o mesmo.
"Guillermo está maior, ele
está crescendo a cada dia", diz
Selma Blair, que interpreta a
mocinha Liz, sem se dar conta
da piada involuntária com o peso do volumoso diretor.
Blair se refere, é claro, à mudança do status de Del Toro em
Hollywood. Afinal, entre "Hellboy" (2004) e sua seqüência,
que estréia amanhã no Brasil,
ele dirigiu "O Labirinto do Fauno", sucesso de crítica, de público e de Oscars (veja abaixo).
Na conversa individual com a
Folha, Del Toro reconhece a
mudança, mas sem nenhuma
empáfia. É um sujeito falante e
sorridente, que aborda as dificuldades por que passou com
muito mais convicção do que
fala de seu sucesso atual.
FOLHA - Há muito de "O Labirinto
do Fauno" em "Hellboy 2", não?
GUILLERMO DEL TORO - Sim, de
certo modo. Tematicamente,
ambos falam da fantasia sendo
esmagada pela realidade mundana. Visualmente, saíram da
mesma cabeça, mas "Hellboy
2" é mais pop, tem cores mais
brilhantes, formas diferentes.
FOLHA - Os atores que fizeram os
dois "Hellboy" dizem que o sr. mudou após "Fauno". O sr. concorda?
DEL TORO - Talvez eu esteja ficando um pouco obsessivo,
porque o pessoal que cuidou do
som e da cor acabou me odiando, de tanto tempo que gastei
com detalhes. Fiz mais tomadas em "Hellboy 2" do que em
qualquer outro filme.
FOLHA - Mas esse perfeccionismo é
um reflexo do sucesso?
DEL TORO - Sempre fui assim,
mas tinha medo de ficar exigindo. Era mais prudente [risos].
Agora, digo o que quero mudar.
No último dia de mixagem do
som ficamos 28 horas trabalhando direto, todo mundo desmaiou de cansaço. É possível
que os atores estejam certos.
FOLHA - E abriram-se muitas portas em Hollywood?
DEL TORO - Notei bastante diferença no meu trabalho como
produtor, que é algo que adoro
fazer. Agora as pessoas prestam
mais atenção ao que eu digo. "O
Orfanato" [que Del Toro produziu] também ajudou bastante nisso. Com o sucesso dele, as
pessoas passaram a achar que
conheço a receita [para ser
bem-sucedido]. O que não é
verdade, não sei nada, ainda cometo os mesmos erros. Mas é
bom que pensem isso, não diga
que eu disse o contrário [risos].
FOLHA - O sr. acha que seu sucesso
e o de colegas como Alfonso Cuarón
e Alejandro González Iñárritu ajuda
outros diretores latino-americanos?
DEL TORO - Não sei. Não acho
que somos um modelo a ser seguido, somos uma alternativa, e
é ótimo tê-las. Quando vim a
Hollywood pela primeira vez,
só me ofereciam filmes sobre
temas mexicanos, astecas, mariachis, toureiros. Quando disse que queria fazer mais filmes
de horror, se espantaram.
Meu diretor de fotografia,
Guillermo Navarro, me disse
que em sua primeira reunião
para encontrar um agente, o
sujeito lhe perguntou: "Para
que preciso de um mexicano?
Já tenho jardineiro". Naquela
época, em 1993, era muito mais
difícil para um latino-americano sonhar em fazer filmes como "Harry Potter" [Cuarón dirigiu "O Prisioneiro de Azkaban"], "Filhos da Esperança"
[também de Cuarón], "Babel"
[de Iñárritu] ou "Hellboy". Hoje, acho que é é algo bem-aceito,
acontece cada vez mais.
FOLHA - Antes do sucesso, o sr. chegou a temer por sua carreira?
DEL TORO - Mais do que isso,
cheguei a temer por minha família, por não ter como sustentá-los. "Cronos" é de 1993, "Mimic" é de 1997. Levei esse tempo todo para conseguir trabalhar de novo. Depois, foram
mais quatro anos até "A Espinha do Diabo".
Olhando hoje, parece que tenho uma carreira, mas, na época, parecia que não tinha nada.
Escrevi dez roteiros para
Hollywood, todos ótimos, nenhum deles foi feito, o primeiro
que quiseram fazer foi "Mimic". Depois de terminá-lo,
meu pai foi seqüestrado no México e perdi todo meu dinheiro,
aos 33. Minha filha teve uma
infecção nos rins quando morávamos no Texas e tive que recorrer à previdência social para
poder pagar a conta do hospital.
FOLHA - Na entrevista coletiva, o
sr. mencionou esses incidentes com
uma visão positiva. Por quê?
DEL TORO - Acho que é preciso
saber ler esses eventos. A vida é
como uma seqüência de livros
que você tem de aprender a ler.
É horrível, mas é preciso pensar o que se aprende com cada
situação, mesmo as ruins. O seqüestro nos ensinou muito. Eu
precisava ficar quebrado financeiramente, precisava de tudo
aquilo. Porque aí Pedro Almodóvar [produtor de "A Espinha
do Diabo"] entrou na minha vida como um anjo, disse que
queria fazer um filme comigo e
tudo aconteceu.
FOLHA - Mas era realmente preciso
passar por todos os problemas?
DEL TORO - Sem dúvida. A melancolia sombria que eu senti
em todos aqueles anos está em
"O Labirinto do Fauno". Não
teria escrito aquela história ou
"A Espinha do Diabo" sem passar pelo que passei. Sabe qual
foi a coisa mais difícil da qual tive que me recuperar? O sucesso de "Cronos". Foi meu primeiro filme, ganhou diversos
prêmios, inclusive em Cannes,
e eu fiquei paralisado, sem saber o que fazer depois. Isso é
bem mais paralisante do que os
problemas porque, se você é
um lutador, você vai superando
as dificuldades. Mas, do sucesso, é difícil se recuperar.
O jornalista MARCO AURÉLIO CANÔNICO
viajou a convite da Paramount
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