São Paulo, quinta-feira, 04 de setembro de 2008

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"É difícil se recuperar do sucesso"

Guillermo Del Toro, diretor de "Hellboy 2", fala sobre as mudanças em sua carreira após o êxito de "Labirinto do Fauno"

Diretor mexicano diz que, ao chegar a Hollywood, só ofereciam a ele "filmes sobre temas astecas, mariachis, toureiros"


MARCO AURÉLIO CANÔNICO
ENVIADO ESPECIAL A LOS ANGELES

Depois de duas horas de entrevistas coletivas com os atores de "Hellboy 2 - O Exército Dourado" num hotel em Los Angeles, um consenso fica nítido: o mexicano Guillermo del Toro, diretor dos dois filmes sobre o herói demoníaco das HQs, não é mais o mesmo. "Guillermo está maior, ele está crescendo a cada dia", diz Selma Blair, que interpreta a mocinha Liz, sem se dar conta da piada involuntária com o peso do volumoso diretor. Blair se refere, é claro, à mudança do status de Del Toro em Hollywood. Afinal, entre "Hellboy" (2004) e sua seqüência, que estréia amanhã no Brasil, ele dirigiu "O Labirinto do Fauno", sucesso de crítica, de público e de Oscars (veja abaixo). Na conversa individual com a Folha, Del Toro reconhece a mudança, mas sem nenhuma empáfia. É um sujeito falante e sorridente, que aborda as dificuldades por que passou com muito mais convicção do que fala de seu sucesso atual.

 

FOLHA - Há muito de "O Labirinto do Fauno" em "Hellboy 2", não?
GUILLERMO DEL TORO
- Sim, de certo modo. Tematicamente, ambos falam da fantasia sendo esmagada pela realidade mundana. Visualmente, saíram da mesma cabeça, mas "Hellboy 2" é mais pop, tem cores mais brilhantes, formas diferentes.

FOLHA - Os atores que fizeram os dois "Hellboy" dizem que o sr. mudou após "Fauno". O sr. concorda?
DEL TORO
- Talvez eu esteja ficando um pouco obsessivo, porque o pessoal que cuidou do som e da cor acabou me odiando, de tanto tempo que gastei com detalhes. Fiz mais tomadas em "Hellboy 2" do que em qualquer outro filme.

FOLHA - Mas esse perfeccionismo é um reflexo do sucesso?
DEL TORO
- Sempre fui assim, mas tinha medo de ficar exigindo. Era mais prudente [risos]. Agora, digo o que quero mudar. No último dia de mixagem do som ficamos 28 horas trabalhando direto, todo mundo desmaiou de cansaço. É possível que os atores estejam certos.

FOLHA - E abriram-se muitas portas em Hollywood?
DEL TORO
- Notei bastante diferença no meu trabalho como produtor, que é algo que adoro fazer. Agora as pessoas prestam mais atenção ao que eu digo. "O Orfanato" [que Del Toro produziu] também ajudou bastante nisso. Com o sucesso dele, as pessoas passaram a achar que conheço a receita [para ser bem-sucedido]. O que não é verdade, não sei nada, ainda cometo os mesmos erros. Mas é bom que pensem isso, não diga que eu disse o contrário [risos].

FOLHA - O sr. acha que seu sucesso e o de colegas como Alfonso Cuarón e Alejandro González Iñárritu ajuda outros diretores latino-americanos?
DEL TORO
- Não sei. Não acho que somos um modelo a ser seguido, somos uma alternativa, e é ótimo tê-las. Quando vim a Hollywood pela primeira vez, só me ofereciam filmes sobre temas mexicanos, astecas, mariachis, toureiros. Quando disse que queria fazer mais filmes de horror, se espantaram. Meu diretor de fotografia, Guillermo Navarro, me disse que em sua primeira reunião para encontrar um agente, o sujeito lhe perguntou: "Para que preciso de um mexicano? Já tenho jardineiro". Naquela época, em 1993, era muito mais difícil para um latino-americano sonhar em fazer filmes como "Harry Potter" [Cuarón dirigiu "O Prisioneiro de Azkaban"], "Filhos da Esperança" [também de Cuarón], "Babel" [de Iñárritu] ou "Hellboy". Hoje, acho que é é algo bem-aceito, acontece cada vez mais.

FOLHA - Antes do sucesso, o sr. chegou a temer por sua carreira?
DEL TORO
- Mais do que isso, cheguei a temer por minha família, por não ter como sustentá-los. "Cronos" é de 1993, "Mimic" é de 1997. Levei esse tempo todo para conseguir trabalhar de novo. Depois, foram mais quatro anos até "A Espinha do Diabo". Olhando hoje, parece que tenho uma carreira, mas, na época, parecia que não tinha nada. Escrevi dez roteiros para Hollywood, todos ótimos, nenhum deles foi feito, o primeiro que quiseram fazer foi "Mimic". Depois de terminá-lo, meu pai foi seqüestrado no México e perdi todo meu dinheiro, aos 33. Minha filha teve uma infecção nos rins quando morávamos no Texas e tive que recorrer à previdência social para poder pagar a conta do hospital.

FOLHA - Na entrevista coletiva, o sr. mencionou esses incidentes com uma visão positiva. Por quê?
DEL TORO
- Acho que é preciso saber ler esses eventos. A vida é como uma seqüência de livros que você tem de aprender a ler. É horrível, mas é preciso pensar o que se aprende com cada situação, mesmo as ruins. O seqüestro nos ensinou muito. Eu precisava ficar quebrado financeiramente, precisava de tudo aquilo. Porque aí Pedro Almodóvar [produtor de "A Espinha do Diabo"] entrou na minha vida como um anjo, disse que queria fazer um filme comigo e tudo aconteceu.

FOLHA - Mas era realmente preciso passar por todos os problemas?
DEL TORO
- Sem dúvida. A melancolia sombria que eu senti em todos aqueles anos está em "O Labirinto do Fauno". Não teria escrito aquela história ou "A Espinha do Diabo" sem passar pelo que passei. Sabe qual foi a coisa mais difícil da qual tive que me recuperar? O sucesso de "Cronos". Foi meu primeiro filme, ganhou diversos prêmios, inclusive em Cannes, e eu fiquei paralisado, sem saber o que fazer depois. Isso é bem mais paralisante do que os problemas porque, se você é um lutador, você vai superando as dificuldades. Mas, do sucesso, é difícil se recuperar.

O jornalista MARCO AURÉLIO CANÔNICO viajou a convite da Paramount



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