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Há carne sangrenta atrás do plástico
da Reportagem Local
Em que veio resultar o espírito
camaleônico de David Bowie aos
52 já a capa de "Hours..." vem
aparentar, contemplando, num
ambiente asséptico, dois Bowies
-um moribundo, repousado no
colo de outro, angelical.
Mais que alguma metáfora de
renascimento, expressa toda a esquizofrenia acumulada, a mesma
que, dos 80 em diante, o fez desistir de seus míticos personagens.
Nos 90, tentou, confuso, iniciar
uma trilogia em "Outside" (95)
-abortada sem maiores explicações-, se aproximou da nova
música eletrônica em "Earthling"
(97), parte-se em dois agora.
O novo CD, mesmo assim, é dos
menos paramentados em muitos
anos. É, radicalmente, de baladas
climáticas que desdenham o rock
e tentam evocar as mais desesperadas baladas de "Aladdin Sane"
(73), "Low" e "Heroes" (77).
O glacê para tais novas baladas
glaciais é um desencanto alucinado, a toada do velho homem que
desistiu de qualquer otimismo. A
viagem de morte começa em
"Thursday's Child" ("minha vida
inteira tentei/ fazer o melhor que
podia/ nada de mais aconteceu,
mesmo assim"), chique e cafona.
Larga em meio a "Something in
the Air" um grito de agonia, querendo sobressaltar. Fala de sobrevivência ("Survive", "If I'm Dreaming My Life") e cai na mais bela
de suas canções em muitos anos,
"Seven" ("tenho sete dias para viver minha vida/ ou sete dias para
morrer"), de violão doído, nervoso, cheia de refrão, de melodia.
O pêndulo da perplexidade
gonga "What's Really Happening" (toda pré-Ziggy Stardust),
"The Pretty Things Are Going to
Hell" (roqueira, "eu sou uma droga"), "New Angels of Promise"
(bem Berlim), "Brilliant Adventure" (idem, instrumental), "The
Dreams". Nem maduro Bowie logra chegar a lugar qualquer, a
conclusão alguma. É o que ainda é
bonito nele. Há carne sangrenta
atrás do plástico.
(PAS)
Avaliação:
Disco: Hours...
Lançamento: Virgin (dia 5 de outubro)
Quanto: R$ 18, em média
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