Cia. Estável conclui dois anos de estudos e estréia peça em casa que recebe mil desabrigados em São Paulo

GABRIELA MELLÃO
COLABORAÇÃO PARA A FOLHA

A companhia de teatro nômade ironicamente intitulada Estável foi abrigada no albergue Arsenal da Esperança. O teto, em vez de tranqüilidade, gerou desassossego, dois anos de estudos, além de uma drástica mudança artística que levou o grupo a fazer teatro político, como no novo trabalho, "Homem Cavalo & Sociedade Anônima", em cartaz a partir de hoje no local onde foi concebido.
O objetivo inicial era seguir a investigação sobre teatro popular e circo, que originou "Auto do Circo", de Luis Alberto de Abreu, entre outros espetáculos. Mas isso pareceu irrelevante diante da realidade encontrada nesta casa, antiga Hospedaria dos Imigrantes, que hoje acolhe cerca de mil desabrigados. "Achamos necessário retratar o vagar não pela aventura, mas pelas faltas", diz Andressa Ferrarezi, atriz que virou diretora de "Homem Cavalo...", primeira obra integralmente criada pelo grupo.
O espetáculo reúne histórias sobre a realidade rotineira dos moradores do Arsenal, microcosmo representativo da sociedade contemporânea. Homens obrigados a aceitar "salários de fome" ou mentir sobre a condição de albergado para se manterem no emprego são retratados na trama, que tem como fio condutor a fábula de um trabalhador animalizado pelos esforços por sobrevivência. "Não só os acolhidos se reconhecem como homens-animais, nós do teatro e muitos trabalhadores do comércio também", diz o ator Osvaldo Hortencio.
A residência artística no Arsenal radicaliza a experiência do grupo em projetos socioculturais -iniciada com a comunidade de Cangaíba, na zona leste, durante a ocupação do teatro Flávio Império, entre 2002 e 2005. Desta vez, além de oferecer oficinas aos moradores, inspira a dramaturgia.