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LIVROS
Crítica/ "Flores Azuis"
Autora apresenta progresso narrativo
Em seu segundo romance, Carola Saavedra aborda trama sobre arquiteto e moça que se comunicam por meio de cartas
MARCELO PEN
ESPECIAL PARA A FOLHA
Nome promissor na literatura brasileira, Carola Saavedra segue
com "Flores Azuis" em sua segunda narrativa longa e, embora aqui também detectemos
certo artificialismo na armação
da trama e na busca pela surpresa talvez dispensável diante
do firme progresso da narrativa, mesmo esses elementos
desta vez se organizam em um
conjunto mais orgânico.
Ou seja, não podemos negar
que até as falhas (se é que são
falhas) exercem uma função
tanto no andamento da história
narrada quanto no plano mais
amplo das idéias geradas pela
articulação deste seu segundo
romance.
Carola experimenta de novo
a mistura de focos narrativos,
na primeira e na terceira pessoas. Na primeira, temos as cartas escritas por A. para seu
amante, que a abandonou. Na
terceira, a história do publicitário Marcos, que supostamente
por engano recebe as cartas enviadas por A.
Marcos é um arquiteto divorciado que tem dificuldades para
relacionar-se com a atual namorada e com a filha Manuela,
de três anos, que reage com indiferença às tímidas tentativas
do pai para formar um vínculo
afetivo.
Se vive cercado por mulheres
(incluamos no rol a ex-mulher,
uma bem-sucedida decoradora), ele também sente que esse
cerco o incomoda e o assusta.
Marcos acredita que nada que
faça é suficiente para satisfazer
as mulheres, que se encontrariam "em um mundo à parte".
A., por sua vez, também so-
fre com a distância. Só consegue estabelecer a conexão
com o amado (um homem violento) por meio de uma relação
masoquista. A dor física, no entanto, não é capaz de "aplacar
a dor" que impossibilita a paridade perfeita, a união dos desejos e dos espaços em uma si-
metria, ela percebe, sempre
impossível.
Máscaras
Há, no romance, a insinuação
de que essa distância para com
outro não é apenas sexual ou
afetiva, mas também social.
Marcos, por exemplo, só se sente "quase a salvo na cidade"
dentro do carro fechado. Sua filha prefere a televisão a comunicar-se com o pai.
Em um mundo de brutalidade implicada e de carência
generalizada, o ser humano parece mais à vontade quando está apartado do outro (sempre
um enigma), encapsulado dentro de si.
O contato com o outro, quando não é violento (no plano sexual ou afetivo, quiçá social),
dá-se por meio de imagens (como as da televisão), de máscaras ou de papéis ritualizados.
Não é à toa que, após sua bárbara "defloração" e abandono,
A. acaba em uma loja onde uma
senhora, maquiada em excesso
e parecendo um "manequim
esquecido", veste-a como a
uma atriz. A. sente como se fosse desempenhar um papel em
uma peça antiga e esquecida.
Uma relação começa a esboçar-se entre Marcos e A., por
meio das cartas. Mas a tragédia
da simetria imperfeita também
aí está ao redor e a ilusão -como sugere o elemento da
surpresa a que nos referimos-
configura-se como a última
tentativa desesperada de,
curiosamente, enfrentar a
desilusão.
MARCELO PEN é professor de teoria literária na
Faculdade de Filosofia, Letras e Ciências Humanas da USP
FLORES AZUIS
Autor: Carola Saavedra
Editora: Companhia das Letras
Quanto: R$ 36 (168 págs.)
Avaliação: bom
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