São Paulo, sábado, 04 de outubro de 2008

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LIVROS

Crítica/ "Flores Azuis"

Autora apresenta progresso narrativo

Em seu segundo romance, Carola Saavedra aborda trama sobre arquiteto e moça que se comunicam por meio de cartas

MARCELO PEN
ESPECIAL PARA A FOLHA

Nome promissor na literatura brasileira, Carola Saavedra segue com "Flores Azuis" em sua segunda narrativa longa e, embora aqui também detectemos certo artificialismo na armação da trama e na busca pela surpresa talvez dispensável diante do firme progresso da narrativa, mesmo esses elementos desta vez se organizam em um conjunto mais orgânico. Ou seja, não podemos negar que até as falhas (se é que são falhas) exercem uma função tanto no andamento da história narrada quanto no plano mais amplo das idéias geradas pela articulação deste seu segundo romance.
Carola experimenta de novo a mistura de focos narrativos, na primeira e na terceira pessoas. Na primeira, temos as cartas escritas por A. para seu amante, que a abandonou. Na terceira, a história do publicitário Marcos, que supostamente por engano recebe as cartas enviadas por A. Marcos é um arquiteto divorciado que tem dificuldades para relacionar-se com a atual namorada e com a filha Manuela, de três anos, que reage com indiferença às tímidas tentativas do pai para formar um vínculo afetivo.
Se vive cercado por mulheres (incluamos no rol a ex-mulher, uma bem-sucedida decoradora), ele também sente que esse cerco o incomoda e o assusta. Marcos acredita que nada que faça é suficiente para satisfazer as mulheres, que se encontrariam "em um mundo à parte". A., por sua vez, também so- fre com a distância. Só consegue estabelecer a conexão com o amado (um homem violento) por meio de uma relação masoquista. A dor física, no entanto, não é capaz de "aplacar a dor" que impossibilita a paridade perfeita, a união dos desejos e dos espaços em uma si- metria, ela percebe, sempre impossível.

Máscaras
Há, no romance, a insinuação de que essa distância para com outro não é apenas sexual ou afetiva, mas também social.
Marcos, por exemplo, só se sente "quase a salvo na cidade" dentro do carro fechado. Sua filha prefere a televisão a comunicar-se com o pai. Em um mundo de brutalidade implicada e de carência generalizada, o ser humano parece mais à vontade quando está apartado do outro (sempre um enigma), encapsulado dentro de si.
O contato com o outro, quando não é violento (no plano sexual ou afetivo, quiçá social), dá-se por meio de imagens (como as da televisão), de máscaras ou de papéis ritualizados. Não é à toa que, após sua bárbara "defloração" e abandono, A. acaba em uma loja onde uma senhora, maquiada em excesso e parecendo um "manequim esquecido", veste-a como a uma atriz. A. sente como se fosse desempenhar um papel em uma peça antiga e esquecida.
Uma relação começa a esboçar-se entre Marcos e A., por meio das cartas. Mas a tragédia da simetria imperfeita também aí está ao redor e a ilusão -como sugere o elemento da surpresa a que nos referimos- configura-se como a última tentativa desesperada de, curiosamente, enfrentar a desilusão.
MARCELO PEN é professor de teoria literária na Faculdade de Filosofia, Letras e Ciências Humanas da USP



FLORES AZUIS
Autor: Carola Saavedra
Editora: Companhia das Letras
Quanto: R$ 36 (168 págs.)
Avaliação: bom




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