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ENTREVISTA ANTUNES FILHO
"Acabou a era do diretor tirano; o agora é a troca"
AOS 80 ANOS, DIRETOR GANHA LIVRO SOBRE SEU MÉTODO DE FORMAÇÃO TEATRAL E DIZ QUE ATOR PRECISA TER A CABEÇA LIVRE DE AUTORIDADE
Lenise Pinheiro/Folhapress
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Flavia Pucci e Helio Cicero na peça "Paraíso, Zona Norte. A Falecida", em 1989
GUSTAVO FIORATTI
COLABORAÇÃO PARA A FOLHA
Com 60 anos de carreira, o
diretor teatral Antunes Filho ainda vive um impasse.
Seu método de criação e de
formação de atores, exposto
agora no livro "Hierofania -°O
Teatro Segundo Antunes Filho", de Sebastião Milaré, se
consolidou como marco do
cenário teatral brasileiro, para não dizer do mundo. Mas o
diretor não se satisfaz em
olhar apenas um caminho já percorrido.
"Meu legado eu não sei qual é. A palavra lembra morte, e eu não penso nisso.
Meu legado é o que eu vou fazer no ensaio hoje. É o espetáculo que vou apresentar
amanhã", diz, em entrevista
à Folha, na sede do Centro de
Pesquisa Teatral (CPT), no
Sesc Consolação.
Folha - O livro "Hierofania" cita o espetáculo "Macunaíma", de 1978, como marco do
teatro brasileiro. O que acontecia no cenário internacional na época?
Antunes Filho - Havia uma
espécie de rito de transição.
Tinham surgido Peter Brook,
Kazuo Ohno, Tadeusz Kantor. Todo mundo apareceu
quando houve uma explosão
de festivais de teatro.
Foi o início da chamada
"era do diretor". O teatro era
tão multifacetado naquela
época. E "Macunaíma" se inseriu nesse momento de potência teatral.
Por não ter participado expressivamente da ruptura do
modernismo brasileiro, o teatro estava atrasado?
Pois é. Oswald [de Andrade] criou uma ou outra peça
modernista, e elas não foram
encenadas na época.
Mas, ao mesmo tempo, é o
teatro que estoura com o modernismo nos anos 60 e 70. A
passagem do moderno para o
pós-moderno foi nesse movimento internacional.
E essa chamada "era dos diretores" acabou?
Não acabou. O que acabou
foi a era do diretor tirano.
Agora é a época do diretor
que procura cooperação. Antigamente a expressão que se
usava era que as coisas vinham do Céu para a Terra. Ao
umbigo do mundo, através
das catedrais, se instaurava
no mundo o Dharma. Agora
não tem mais o Dharma. Agora é a troca.
Texto, colaboração e coautoria ganharam importância?
Sim, mas, no trabalho colaborativo, de grupo, tem
ainda o cara que precisa reger. Liberdade pressupõe ordem e exige consciência. O
modo como vai se estabelecer essa ordem, se é por meio
de um diretor ou de uma máquina... Sei lá se pode ter máquinas fazendo isso [risos].
O sr. defende o ator como peça principal do teatro.
Claro. Qualquer peça só
pode sair da estante e ir para
o palco se houver um ator.
Seja no velho drama, seja no
futuro, seja ainda no não drama, já que hoje tudo está sendo contestado.
O que está sendo contestado?
Não somente a hegemonia
do diretor, a do texto, a da
trama. Tudo revela um autoritarismo que está sendo sanado ou questionado.
O ator é a pessoa que, com
a sua liberdade, fica à margem dessa coerção que imaginamos haver.
Ele tem de estar livre. A cabeça dele não pode ser autoritária. Só com consciência e
liberdade poderá não mais
representar, mas atuar. Projetar alguma luz nisso tudo
que é contemporâneo.
Isso faz do ator uma espécie
de coautor?
Não. Faz dele uma janela.
Mas, se ele não tem base cultural e técnica, ele é uma janela fechada.
A criação dramatúrgica, que
ganhou espaço no CPT, também representa uma procura
sua por novos caminhos? O
que ficou velho no teatro?
Estamos num momento de
impasse em termos de criação. Tentamos caminhar. Ironizamos tal coisa, parodiamos aquilo outro. Damos
margem ao outro lado do
nosso inconsciente.
A forma de Brecht já pode
ter envelhecido. Mas Brecht
como poeta não. Como escritura, ele é atualíssimo. Por
meio da linguagem poética,
cria rituais. Daí os mitos do
inconsciente vêm à tona.
O que significa para você as
mortes de Kazuo Ohno (2010)
e de Pina Bausch (2009)?
Dois modelos fundamentais que se foram, mas que
continuam presentes. Duas
guias. A gente chegou ao fim
do túnel e tinha aquela luz.
Daí estávamos ali no claro
e nos perguntávamos: "E
agora? O que vamos fazer?
Que luz maravilhosa, né? E
daí? Estamos aqui agora iluminados por essas luzes e o
que vamos fazer?". E essa luz
ainda está acesa.
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