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Que Sol, que nada; beijo gay do fim de "América" mobiliza o público e vira notícia internacional
Beijinho, beijinho, tchau, tchau
LAURA MATTOS
DA REPORTAGEM LOCAL
Se Sol vai ficar com Ed ou Tião
hoje, no último capítulo de "América", isso já é um problema dela.
O que mobiliza telespectadores e
rende até reportagem na imprensa internacional não é o destino
da mocinha sofrida de Deborah
Secco, mas o beijo gay entre Júnior e Zeca, peão de sua fazenda.
A cena com os atores Bruno Gagliasso e Erom Cordeiro foi gravada na última segunda, no Projac
(Rio), e será "de extrema delicadeza, como o tratamento dado à
questão ao longo da novela", segundo a autora Glória Perez.
Vai ser um beijo apaixonado,
mas num estilo "contido", nada
parecido com tantos "calientes" já
protagonizados por casais héteros
na teledramaturgia -nem com o
que o "Carreirinha" Matheus
Nachtergaele lascou em Gagliasso
numa recente festa da vida real.
OK, sejamos claros: nesta noite
não veremos um "selinho", só
com os lábios se tocando brevemente, mas também não terá língua. Seja como for, é a primeira
intimidade nesse nível entre dois
homens em novelas brasileiras.
O tema deixou para trás José
Dirceu e cia. ao chamar a atenção
do inglês "The Observer". No último domingo, o jornal publicou: o
anúncio de que haveria a cena do
beijo "chocou um país considerado um dos mais liberais do mundo". Chocou mesmo? Não é o que
aponta o "referendo" que veio à
tona na Central de Atendimento
aos Telespectadores da Globo.
Na semana passada, 53% dos
que se manifestavam sobre o tema eram contrários ao beijo, e
47%, favoráveis. Anteontem,
quando a polêmica ganhou mais
destaque em programas de TV e
Júnior e Zeca estavam mais próximos, o "sim" ao beijo disparou:
80% dos telespectadores defendiam que Glória mostrasse a cena.
Jean Wyllys, que ganhou a simpatia do público do "Big Brother"
ao assumir sua homossexualidade e venceu a competição, diz não
acreditar que haja uma grande rejeição ao beijo. "A sociedade mostrou que vem avançando com essas personagens da ficção."
André Fischer, autor da coluna
GLS da Revista da Folha, avalia
que "não faria sentido" não mostrar o beijo no último capítulo.
"Seria mais um beijo gay que não
aconteceu, como na novela "O Rebu", há 30 anos. Em "América", tudo foi construído para que houvesse o beijo no final. Isso já foi
mostrado em vários programas,
sem problemas. A novela das oito
é o último bastião heterossexista."
Com Fischer concorda André
Almada, dono da The Week, badalada casa noturna gay de São
Paulo. "A TV já mostrou beijos
gays várias vezes. Tiveram os da MTV
["Fica Comigo" e "Beija Sapo'] e na
semana passada dois meninos deram um de língua no programa
da Luciana Gimenez. Se não fosse
exibido em "América" seria a comprovação do quão careta e moralista a sociedade pode ser."
Para o diretor teatral José Celso
Martinez Corrêa -que tem no
currículo peças como "Bacantes",
na qual atores tiravam a roupa até
de pessoas da platéia-, é um "absurdo" que isso ainda gere polêmica. "É como se estivéssemos
discutindo a censura." Ele diz que
a TV ainda estava nascendo no
Brasil, e o teatro já mostrava pessoas do mesmo sexo se beijando.
"A TV é a vanguarda do atraso."
No outro extremo dessa torcida
está o deputado estadual do Rio
Édino Fonseca, pastor da Assembléia de Deus. Ele é autor de um
projeto de lei que obriga o Estado
a pagar tratamento psicológico a
gays que queiram se "converter"
(foi rejeitado na Assembléia, mas
será reapresentado por ele no
próximo ano). Seu raciocínio: as
pessoas não nascem, mas se tornam gays a partir de influências
ao longo da vida. Logo, o fato de
"América" mostrar "um rapaz
bonito como o Bruno Gagliasso"
no papel de homossexual "incentiva jovens a ir por esse caminho".
Isso sem falar do fato de a novela não mostrar "o lado negro" do
homossexualismo, "que muitos
gays sofrem de depressão e se suicidam" e, ao envelhecer, "são chamados de bicha velha e mona".
O beijo desta noite, então, "é
uma afronta à tradição social do
Brasil", "é lastimável, um absurdo, desrespeita a sociedade".
O deputado certamente ficou
mais satisfeito com "Torre de Babel" (98/99), na qual as lésbicas
morreram numa explosão em razão da rejeição do público. E não
gostou de "Mulheres Apaixonadas" (2003), que mostrou um selinho entre meninas, e "Senhora do
Destino" (2004/05), na qual duas
namoradas acordaram juntas e
seminuas na mesma cama.
Ibope
Fora a consumação do romance
gay, esta será a noite do fim (enfim) do martírio de Sol e da decisão: formará um casal de pouca
química com Ed (Caco Ciocler)
ou de nenhuma química com
Tião (Murilo Benício)? Glória Perez decide. E a essa altura -após
conseguir colocar a audiência nos
trilhos apesar do início litigioso
com a direção de Jayme Monjardim e dos controversos rumos da
trama- tanto faz. Até o último
sábado, marcava 49 pontos no
Ibope (cada ponto equivale a 52,3
mil domicílios na Grande SP). Deve terminar abaixo dos 50,5 da antecessora e recordista "Senhora
do Destino", mas acima de "O
Clone" (47), "Celebridade" e
"Mulheres Apaixonadas" (46).
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