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CRÍTICA
Diretor baiano acerta em sua busca pela imperfeição
CÁSSIO STARLING CARLOS
COLABORAÇÃO PARA A FOLHA
"A gente não sabe nunca
ao certo onde colocar o
desejo", cantava com sabedoria
Caetano Veloso em "Pecado Original", que embalava as desventuras eróticas de "A Dama do Lotação". O filme é outro, mas a canção não soaria deslocada se acompanhasse os encontros e desencontros de Deco, Karinna e Naldinho em "Cidade Baixa", bela estréia na ficção de Sérgio Machado.
A sós, a dois ou a três, não importa o número, o fato é que com
o desejo a conta nunca fecha. É o
que experimentam na pele e na alma os amigos barqueiros, que levam uma vida aparentemente ordenada até que cruzam o caminho de Karinna, garota capixaba
que ganha a vida na prostituição.
"Cidade Baixa" é o recorte dessas vidas desde o momento em
que elas se encontram até o momento em que elas não acabam.
Por isso não busca o inverossímil
das ficções completas.
"Cidade Baixa" começa como
um boat-movie e continua como
perambulação pelas ruas de Salvador, ambas condições que permitem a Machado deixar a ficção
aberta, com as linhas do destino
combinando-se e recombinando-se não de modo aleatório, mas desenhando os fluxos do desejo, na
medida em que este traça as linhas de atração e de repulsão entre seus personagens.
Ao fazer isso, opta por uma tradição moderna da ficção cinematográfica incompreensivelmente
sem muitos representantes no
Brasil. Nela, o filme resulta menos
de um roteiro elaborado demais,
mas, aparentemente deixa-se levar, ou melhor, nutre-se de uma
atenção da câmera aos atores,
guiada por seus gestos e olhares.
Nada disso seria encantador se
não fosse a presença magnética da
trinca Alice Braga, Lázaro Ramos
e Wagner Moura, que se distancia
do modo de representação da TV
em proveito de composições de
riscos. O naturalismo que alcançam não tem a ver com o "parecer
natural" dos atores de novela.
Aqui, eles são postos em cena inteligentemente menos como máscaras e mais como corpos, que a
câmera não poupa de capturar
em sua beleza e em sua feiúra,
marcas, suor e lágrimas.
Em vez de buscar um cinema de
fórmula (o "fácil", derivado do
modelo atores de TV + linguagem
de TV, ou o "difícil", cheio de recalque autoral, mas inconvincente), Machado acha seu lugar tomando um atalho no qual valoriza em detalhe a imperfeição: da
história, dos atores, do roteiro e
de tudo o que emana da vida.
Sem almejar uma indicação ao
Oscar nem arrastar multidões ao
cinema, "Cidade Baixa" representa aquilo que deve ser essencial na
busca de uma cinematografia sólida: um ponto de vista assumido,
a recusa do clichê, uma capacidade de traduzir idéias e emoções
sem precisar mimetizar soluções
alheias, enfim, um modo de expressão capaz de ser admirado
pelo próprio país e pelo mundo.
Cidade Baixa
Direção: Sérgio Machado
Produção: Brasil, 2005
Com: Wagner Moura, Lázaro Ramos
Quando: a partir de hoje nos cines Espaço Unibanco, Sala UOL e circuito
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