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Crítica/música
Modernidade da obra de Vinicius é foco de ensaio sobre o poeta
CARLOS RENNÓ
ESPECIAL PARA A FOLHA
A biografia de Vinicius de
Moraes tem enriquecido sua mitologia, mas
contribuído para uma apreciação crítica insuficiente, até para uma depreciação preconceituosa, de sua obra.
Para atestar a relevância desta, o volume da coleção "Folha
Explica" dedicado ao poeta focaliza o que, nela, constitui "estranhamento, novidade, construção", segundo seu autor, o
também poeta Eucanaã Ferraz
("Martelo", "Desassombro").
O estudo, breve, busca abranger com equilíbrio a poesia escrita e a poesia cantada, formadas pelas letras de música vinicianas. Na abordagem da primeira, recebe um tratamento
focal a ligação entre a adoção de
procedimentos tradicionais,
como a metrificação e a forma
fixa e a criação de poemas complexamente modernos, analisados como experiências de
linguagem.
Clássicos como "O Dia da
Criação" e "A Bomba Atômica"
são observados a partir das relações entre seus jogos internos, suas faturas e seus sentidos, em interpretações objetivamente elucidadoras de seus
mistérios. O mesmo se dá na
detida exegese que ganham os
versos que fizeram de Vinicius
o maior sonetista brasileiro do
século 20.
Sonetos
"Soneto de Intimidade" é definido como um marco na sua
obra, pela assimetria estabelecida entre sua forma clássica e
"o uso de uma linguagem chã
(sintonizada com a temática do
poema)". E, nos amorosos, Ferraz chama a atenção para como
"o virtuosismo sintático-conceitual e a densidade reflexiva
convertem-se em expedientes
de controle da efusão sentimental".
O distanciamento emotivo e
o caráter construtivo também
são relevados no comentário
sobre "A Pêra", modelo de radicalidade, entre outros fatores
estilísticos, pela ausência, ou
pela presença, apenas como observador, do eu-lírico.
O poema, de versos atipicamente curtos para o formato, é
considerado evidência "da lucidez e do exercício formal que
guiam o conjunto de sonetos de
Vinicius de Moraes".
Canção mais apurada
A segunda parte do livro trata
de como o poeta colaborou para a sofisticação e intelectualização da canção brasileira, incutindo-lhe elementos da poesia moderna que incluem paralelismos e polissemias, "metáforas renovadoras" e "associações inesperadas", indo do lirismo concentrado à estruturação com base em anáforas e similares.
Em "Eu Sei que Vou Te
Amar", parceria com Tom Jobim, por exemplo, Ferraz destaca o uso da repetição, aplicada em variações sutis, como a
"expressão de uma certeza, de
uma evidência já determinada
pela melodia".
Aqui, demonstra como Vinicius "reconhecia as sugestões
melódicas" e convertia seus
"conteúdos afetivos" em letras
marcadas por uma "espontaneidade construída".
Místico
De particular interesse por
seu caráter revelatório, o autor
vê uma retomada do substrato
místico da obra inicial do poeta,
com nova perspectiva e vocabulário, em composições com
Toquinho e no célebre "Samba
da Bênção", com Baden Powell.
Este não só reveste de sacralidade, como sintetiza a própria
história do gênero musical, no
qual a tristeza "transcende a si
mesma".
Ao fim, definindo o tema preferido de Vinicius com a equação "amor-problema", Ferraz
aprofunda, com originalidade
de visão, a associação entre
amor e paz, "utopia máxima do
cancioneiro viniciano", enumerando uma série de casos
que terminam por outra parceria com Baden, "Tempo de
Amor". Nesta se encrusta, como uma jóia, um dos versos
mais impressionantes de uma
canção, ao falar do amor: "Ah,
não existe coisa mais triste que
ter paz".
CARLOS RENNÓ é letrista e jornalista, apresentador do programa "Uma Vez, Uma Canção", da
TV Cultura, e organizador de "Gilberto Gil Todas
as Letras" (Companhia das Letras)
VINICIUS DE MORAES
Autor: Eucanaã Ferraz
Editora: Publifolha
Quanto: R$ 17,90 (104 págs.)
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