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Crítica/teatro
Certezas em excesso comprometem o bom elenco de "Dúvida"
SERGIO SALVIA COELHO
CRÍTICO DA FOLHA
Nas últimas décadas, o
cinema ajudou muito
o teatro a se tornar
mais ágil e sintético, fragmentando a sua narrativa, ao mesmo tempo em que consagrou a
interpretação interiorizada,
menos "teatral". Assim, quando um cineasta veterano como
Bruno Barreto estréia no palco,
a curiosidade é grande para
conferir ganhos e perdas desse
translado.
O que há de ingênuo em "Dúvida" transparece logo no cenário de Cássio Amarante: pequenos sets montados e desmontados durante excessivos e previsíveis blecautes, em geral precedidos por um "close" de recorte de luz no rosto do ator, fazendo com que também a luz
de Wagner Freire ceda a uma
camisa-de-força.
No entanto, a prioridade dada à interpretação, nessa trama
de longas cenas nas quais personagens se conflitam aos pares, constitui um bom veículo
para a técnica de seus principais atores. Regina Braga, no
papel da autoritária diretora de
uma escola católica, é meticulosa em entonações e gestos,
tornando nítida a sua função na
trama sem perder nenhum detalhe de seu enfraquecimento
progressivo. A excelência de
sua interpretação faz com que
se possa cobrar mais dela na articulação - a ausência de "s"
em alguns "mais" de seu texto
contradiz a auto-exigência de
seu personagem.
Ambigüidades
Isabel Teixeira, no papel de
uma jovem professora emotiva
e ávida por endosso, sofre no
começo com a ingenuidade
quase caricatural com que o
personagem é apresentado,
mas tem sensibilidade e inteligência para aprofundá-lo.
Dan Stulbach tem o carisma
necessário para fazer o protagonista,
um padre cujo
prestígio entre os
alunos acaba tornando-o suspeito
de pedofilia, ao
proteger um aluno
negro, o que complica os estigmas
em jogo. Simpático e com boa técnica, o que convém a
um chamariz de
público, deixa-se
contagiar, no entanto, pela sentenciosidade dos seus
sermões, dando-lhe sempre, e muito cedo, um tom de
vilão de novela.
Lena Roque também parece recitar
seu texto, o que
seu papel de mãe
do aluno negro tolera menos.
Assim, para uma trama construída em torno de ambigüidades e pequenas reviravoltas, a
montagem sofre de excesso de
certezas. Tudo é entregue desde o início: a culpa do padre,
contradizendo o título, não gera a menor dúvida.
Não que o texto seja muito
mais profundo do que isso.
Apresentado como uma "parábola", pretensão endossada no
ano passado por um Prêmio
Pulitzer e vários Tony, a peça
de John Patrick Shanley é hábil
e bem escrita, mas se
mantém prudentemente no limite da
polêmica, em dose
adequada para o moralismo da era Bush,
mas que soa um pouco esnobe nas platéias tupiniquins. Estando mais à vontade
com os palcos, Barreto poderá dispensar a
garantia falaciosa da
consagração no exterior em suas próximas montagens.
DÚVIDA
Quando: sex., às 21h30,
sáb., às 21h; dom., às
20h; até 10/12
Onde: Teatro Shopping
Frei Caneca (r. Frei Caneca, 569, tel. 0/xx/11/
3472-2229)
Quanto: de R$ 50 a R$ 60
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