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Editora plagiou traduções de clássicos
Editora Martin Claret publicou "Os Irmãos Karamazov" e "A República", entre outros, com cópias de traduções alheias
Com cerca de 500 livros de bolso no catálogo, empresa fundada na década de 70 negocia venda de 75% de suas ações para a Objetiva
LUIZ FERNANDO VIANNA
DA SUCURSAL DO RIO
Em negociação para ter 75%
de suas ações compradas pela
Objetiva, braço brasileiro do
poderoso grupo espanhol Santillana/Prisa, a Martin Claret é
uma editora que já plagiou traduções. Os nomes dos verdadeiros tradutores foram omitidos e seus direitos, violados.
Criada nos anos 70, em São
Paulo, pelo gaúcho Martin Claret, a empresa tem em seu catálogo cerca de 500 títulos de domínio público (de escritores
mortos há mais de 70 anos) publicados em formato de bolso
(preços de R$ 10,50 a R$ 18,90).
Quatro casos de plágio estão
confirmados: edições de "Os Irmãos Karamazov", "A República", "As Flores do Mal" e de três
novelas de Franz Kafka reunidas num único volume-"A
Metamorfose", "Um Artista da
Fome" e "Carta a Meu Pai".
Lançada em 2003, a edição
de "Os Irmãos Karamazov", de
Fiodor Dostoievski (1821-1881), tem como tradutor um
certo Alexandre Boris Popov,
que não consta entre os poucos
nomes que costumam passar
obras do russo para o português. Na verdade, é cópia da
tradução concluída em 1944
por Boris Schnaiderman para a
extinta editora Vecchi.
As versões são praticamente
idênticas. Apenas algumas expressões foram trocadas pela
Martin Claret, como "muito
encontradiço" por "bastante
freqüente" na primeira página.
Schnaiderman, um dos maiores especialistas em literatura
russa do país, assinou o trabalho com o pseudônimo de Boris
Solomonov e o renega.
"Eu era muito novo, precisava de dinheiro e cometi uma leviandade. Fiz o que podia na
ocasião, mas minhas condições
eram limitadas", diz ele, que,
aos 90 anos, não pensa em processar a Martin Claret. "Na minha idade, quanto menos complicação, melhor", justifica.
Ele foi alertado do plágio pela
editora 34, que pretendia lançar sua tradução, mas, diante
da recusa, encomendou uma a
Paulo Bezerra para 2008.
Coincidência impossível
"A República", de Platão
(428/27 a.C. - 347 a.C.), saiu
neste ano pela Martin Claret
com tradução assinada por Pietro Nassetti. O repórter Euler
de França Belém mostrou na
edição de 14 de outubro do jornal "Opção", de Goiânia, que o
texto é uma "adaptação" -com
mudanças de palavras para ficar mais "acessível"- da tradução de Maria Helena da Rocha
Pereira, uma das maiores especialistas portuguesas em Grécia Antiga.
A Folha confrontou os dois
livros e comprovou que as diferenças são insignificantes,
coincidência impossível no caso de uma tradução tão complexa. O livro da Fundação Calouste Gulbenkian foi lançado
em Portugal em 1972 e está na
10ª edição. Procurada, a fundação não comentou o assunto.
No caso de "As Flores do
Mal", outro lançamento de
2007 assinado por Nassetti, foi
o poeta e tradutor Ivo Barroso
quem apontou o plágio num artigo na revista virtual "Agulha".
A edição copiada é de 1958, da
série Clássicos Garnier, da Difusão Européia do Livro, com
os versos de Charles Baudelaire (1821-1867) traduzidos pelo
poeta paulista Jamil Almansur
Haddad (1914-1988).
"É impossível haver identidade absoluta entre todos os
versos de um poema. O máximo são dois versos iguais. Mas
as únicas mudanças feitas foram de palavras difíceis por outras de mais fácil compreensão,
e ainda alterando a métrica e a
rima", explica Barroso, tradutor da poesia completa de Rimbaud. Herdeiros de Haddad
não foram encontrados pela
Folha.
Tradução 24 horas?
Em 2000, respondendo a
uma intimação judicial da
Companhia das Letras, a Martin Claret reconheceu ter usado
uma parte das traduções de
Modesto Carone para três novelas de Kafka (1883-1924): "A
Metamorfose", "Um Artista da
Fome" e "Carta a Meu Pai".
Indenizou Carone e retirou
de circulação o livro, que tinha
como tradutores Nassetti e
Torrieri Guimarães.
A nova edição, de 2007, é assinada só por Guimarães, um
jornalista de 74 anos que fez várias traduções de Kafka para a
editora Hemus e de outros autores para a Martin Claret.
Um caso menos grave é o da
editora Hedra, que reconheceu
notas de sua versão de "Metamorfoses", de Ovídio, nas da
Martin Claret.
Como a tradução e a maioria
das notas são do poeta português Bocage (1765-1805), que já
está em domínio público, descartou-se medida judicial.
Suspeita-se que muitos outros livros da Martin Claret
usem traduções plagiadas, já
que poucos e desconhecidos
nomes -como Alex Marins e
Jean Melville- assinam um arco eclético de títulos.
Pietro Nassetti teria traduzido Shakespeare, Maquiavel,
Descartes, Rousseau, Voltaire,
Schopenhauer, Balzac, Poe e
outros.
"Se esse cara trabalhasse 24
horas por dia durante 60 anos,
não traduziria nem a décima
parte disso", afirma o especialista Ivo Barroso.
Segundo o artigo 184 do Código Penal, os plagiadores estão
sujeitos a detenção de três meses a um ano. Na área cível, podem arcar com danos morais e
materiais.
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