São Paulo, terça-feira, 04 de novembro de 2008

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"Revista do Lalau" relembra Sérgio Porto

Livro organizado por Luís Pimentel traz produção assinada pelo jornalista e seu pseudônimo, Stanislaw Ponte Preta

Livro compila textos sobre jazz, críticas musicais, roteiro de espetáculo de humor e música, "mulherologia" e ficção


CAIO JOBIM
COLABORAÇÃO PARA A FOLHA, DO RIO

Sérgio Porto (1923-1968) trabalhava por dois -e sem tirar férias. Às atividades que atribuía a si próprio ("jornalista, radialista, televisista, teatrólogo, humorista, publicista e bancário") pode-se acrescentar ainda as de ficcionista, crítico e historiador musical, roteirista de cinema, compositor e "mulherólogo". Parte dessa produção, ora assinada por Sérgio Porto, ora por Stanislaw Ponte Preta, está em "A Revista do Lalau", livro organizado pelo jornalista Luís Pimentel.
Porto criou o pseudônimo Stanislaw Ponte Preta para escrever com mais liberdade e acabou refém de seu próprio personagem. Ponte Preta se transformou num personagem popular do Brasil da metade do século 20 e roubou parte da notoriedade que cabia ao criador.
"Gosto mais do Sérgio porque ele é muito mais gente, né? Mas é tudo muito natural. O que acontece é que o Stanislaw é popular e vende tudo muito bem: livro, disco, show, piada.
Aí, ele parece existir mais. Antigamente, por exemplo, muita gente não sabia quem era Stanislaw. [...] Hoje todo mundo sabe que um é o outro, não tem mais aquele mistério. Quer dizer, o Stanislaw resiste ao Sérgio, entende? Mas não acaba com ele não", disse Porto em entrevista reproduzida no livro, concedida em 1968, pouco antes de sua morte.
O primeiro capítulo retrocede a 1949, anterior à invenção do personagem. Trata-se da reedição de "Pequena História do Jazz", um breve compêndio sobre o gênero, acrescido do artigo "O Jazz no Brasil", em que ele conclui que o sucesso do samba não deu margem para que o jazz conquistasse aqui o mesmo êxito que obtivera nos Estados Unidos e na Europa. Não que houvesse uma crítica ou uma preferência pela música estrangeira em tal constatação. Pelo contrário. Porto era igualmente apaixonado pela música brasileira e rejeitava a sua contaminação por modismos importados.
Em crítica a Gilberto Gil e Caetano Veloso, referiu-se à tropicália como "música de laboratório". Sobre o disco que Tom Jobim dividiu com Frank Sinatra, escreveu que se tratava da confirmação de que "a indústria fonográfica norte-americana procura fazer com o samba o que fez com a música italiana, ou seja, despersonalizá-lo a ponto de transformar o samba numa canção de agrado dos fãs de Frank Sinatra".
Sua militância não se resumia aos textos. Em 1968, o compositor do "Samba do Crioulo Doido" criou um show de humor e música no qual se apresentava ao lado do Quarteto em Cy. O roteiro do espetáculo está no livro. Ponte Preta comparece com notas e notícias que guardam parentesco com aquelas editadas nos três volumes dos "Febeapás" (Festival de Besteira que Assola o País), já relançados pela Agir.

Mulheres
Contribuição fundamental de Ponte Preta resgatada pelo livro é a "mulherologia". Nem ciência nem doutrina, "a arte de admirar a mulher, respeitando-a sempre" remete-nos às Certinhas do Lalau. As fotos reproduzidas no livro comprovam: era uma verdadeira seleção brasileira de mulheres.
Norma Bengell fez parte desse time. Nascidas como "As Mais Bem Despidas do Ano" na revista "Manchete", em 1954, as "certinhas" se tornaram uma "coqueluche" nacional, uma expressão da época.
A rara produção ficcional de Ponte Preta aparece em dois contos: "O Elefante" e "Garota de Ipanema". A de Porto está nos primeiros capítulos de um romance interrompido. Com traços autobiográficos, "O Transplante" conta a história de um homem de meia-idade que, após sofrer um enfarte, recapitula momentos de sua vida. Porto deixou-o inacabado ao morrer. De coração.

A REVISTA DO LALAU
Autor: Sérgio Porto
Organizador: Luís Pimentel
Editora: Agir
Quanto: R$ 89,90 (267 págs)

TRECHOS

"Boite" é influência da vida noturna de Paris ecoando na noite do Rio. Noutra oportunidade o mais vivo dos Ponte Preta definiu de forma muito feliz uma "boite", explicando que esses inferninhos não passam de botequins de luzes apagadas, onde você se intoxica por preços exorbitantes.
[...] Em Nova Iorque, Geni da Silva, uma brasileira de 23 anos, anunciou a primeira exibição autêntica de macumba numa boate de Village Gate. Diz ela que invocará os espíritos de Xangô e Ogum, mas Primo Altamirando, que soube de suas intenções, afirmou, enfático: "Com o dólar ao preço que está, duvido que algum santo baixe em Nova York."
[...] Tarado por calcinha: Depois de se livrar das correntes que o prendiam à gaiola, um macaco chamado Chico, há dois dias, era dado como desaparecido pelo seu dono. À noite reapareceu, invadindo residências de Bonsucesso e furtando calcinhas das moças para ir rasgá-las em cima dos telhados.
[...] Agostinho dos Santos foi cantar num programa de televisão, e quando parou de cantar, foi cantado por uma linda sueca que estava no auditório. O animador, quando viu o monumento de mulher, pediu para ganhar uma colher-de-chá. Resposta de Agostinho: "Bem feito, quem mandou ser branco".

Extraído de "A Revista do Lalau", de Sérgio Porto



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