São Paulo, quarta-feira, 04 de novembro de 2009

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MARCELO COELHO

Ovos e galinhas


"O Naturalista da Economia" é um tesouro de surpresas, mas há algumas decepções


NUNCA REPAREI muito nos preços dos ovos de granja, mas fiquei sabendo por um livro recente ("O Naturalista da Economia", de Robert Frank), que os de cor avermelhada custam mais caro do que os brancos, embora tenham o mesmo gosto e idêntico valor nutricional.
Pelo menos é assim nos Estados Unidos, onde há consumidores intrigados com o fenômeno. Qual seria a razão dessa diferença de preços?
A pergunta pareceu expressiva aos editores do livro, que se inspiraram nela para a ilustração da capa. Mas é só uma entre as dezenas de dúvidas para as quais o pensamento econômico, pelo menos na interpretação do autor, está pronto a dar resposta.
Alguns exemplos. Por que as baleias estão ameaçadas de extinção e isso não acontece com as galinhas?
Por que as roupas masculinas têm botões do lado direito, e as femininas, do esquerdo? Por que os bares cobram a água, mas oferecem amendoins de graça?
Esta última me pareceu bem fácil.
Afinal, amendoins aumentam a sede dos frequentadores. Mas Robert Frank acrescenta outro fator ao raciocínio. Quanto mais água o infeliz tomar, menor será o seu consumo de bebida alcoólica. Logo, é necessário cobrar pela água também.
A pergunta sobre os botões femininos não traz uma resposta tão economicista. A razão de ficarem do lado esquerdo é histórica. Antigamente, as grandes damas não se vestiam sozinhas. Ficavam de pé diante das mucamas, que, sendo na maioria destras, tiveram assim facilitado o seu trabalho, podendo abotoar as roupas com a mão direita.
Sobre os destinos diversos de baleias e galinhas, não sei se o que mais surpreende é a resposta ou a pergunta. Por que se imaginaria que as galinhas pudessem ser extintas?
Mas um bom economista tem a obrigação de nos surpreender sempre, argumentando a partir de poucas e invariáveis premissas. As baleias estão ameaçadas de extinção, diz Robert Frank, pelo simples motivo de que não têm proprietários... Fosse possível, sei lá, organizar uma fazenda de cetáceos ou pelo menos marcá-las a ferro como os bois das pradarias americanas, estaríamos logo tão fartos de baleias quanto de hamsters e chinchilas.
Não se pense que o autor seja um neoliberal de quatro costados. A alarmante elevação nos preços do caviar beluga se deve primordialmente, diz o livro, ao colapso da União Soviética.
É que o mar Cáspio passou a ser explorado por repúblicas rivais, mais propensas a burlar os concorrentes na obtenção de caviar do que a conformar-se com uma regulamentação comum.
A exemplo de seus predecessores no gênero, como "Freakonomics", este livro é um tesouro de surpresas, entre as quais se escondem algumas decepções.
Uma pergunta que fica sem resposta, de todo modo, é a de por que, afinal, tantos livros desse tipo surgiram agora no mercado. Acho que fazem parte do mesmo veio da literatura neodarwinista. Por que os seres humanos riem?
Por que há pessoas que sacrificam a própria vida numa guerra, enquanto outras colecionam tampinhas de garrafa?
Uma resposta seria dizer apenas: porque são humanos, porque são pessoas. De alguma maneira, entretanto, isso não parece satisfatório hoje em dia.
Logo alguém invoca a existência de um gene qualquer, o do colecionismo, o do autossacrifício, o do riso. Ou, para não cair em tamanha vulgaridade científica, tenta-se apontar a vantagem evolutiva do comportamento A, que não exclui, por certo, a vantagem evolutiva do comportamento Z, seu oposto absoluto.
Rudyard Kipling escreveu um livro para crianças intitulado "Just So Stories" (algo como histórias que aconteceram assim mesmo ou histórias bem verdadeiras), em que dava explicações imaginosas e míticas para o pescoço das girafas ou a tromba dos elefantes.
Não discuto, é claro, a base científica das explicações econômicas ou biológicas. Mas, atrás de toda pergunta a respeito dos "porquês", sempre existe, acho, uma psicologia próxima do pensamento mítico. A ciência, provavelmente, está mais interessada nas perguntas que começam com a expressão "em que medida..." do que nas perguntas que começam com "por que...?" Estas, aliás, começam, mas nunca acabam. Quer a prova?
Volto ao ovo, ao ovo vermelho, que custa mais que o branco. Robert Frank dá algumas explicações, mas no final registra, candidamente, um simples fato: as pessoas preferem que ele seja vermelho. Vai ver que é genético.

coelhofsp@uol.com.br


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