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Santo Forte
Romero de Andrade Lima e a Cia. Circo Branco celebram noteatro o presépio popular com 13 esculturas e cantorias
VALMIR SANTOS
DA REPORTAGEM LOCAL
Conhecido pela encenação e
cantoria de autos sacramentais,
por vezes profanos, como "Auto
da Paixão - 12 Cânticos de Amor e
Morte" (1993), o artista plástico
pernambucano Romero de Andrade Lima concebe sua versão
do nascimento de Jesus com
acento na cultura popular.
A cena de origem do menino
que "nasceu em Belém, na Judéia,
ao tempo do rei Herodes", como
relata Matheus em seu Evangelho,
é transportada para o universo
dos santeiros do povo, aqueles
que esculpem imagens de barro,
madeira, papelão e pano.
À fabricação dos santos pelos
homens, somam-se as roupas
bordadas pelas mulheres, as bandeiras e os hinos que remetem à
história das imagens sacras.
No espetáculo cênico-musical
"Presépio da Paz", são incorporadas 13 estátuas que medem de três
a quatro palmos de altura cada
uma. Elas reproduzem Jesus, Maria, José, os pastores, os ciganos e
os reis.
A idéia é seguir os passos de são
Francisco de Assis (1181-1226),
que, para irradiar devoção, lançou em Greccio, na Itália, na noite
de Natal de 1223, os fundamentos
do culto popular ao presépio
-do latim "praesepiu", que designa a manjedoura onde o Menino Jesus foi posto ao nascer.
O santo mandou preparar o
presépio dentro de uma paisagem
natural, em meio a palha, o boi e o
burrico.
Na encenação de Lima, que estreou em 2001 no Sesc Belenzinho
e agora ganha temporada de três
semanas no Itaú Cultural, 13 estátuas (esculpidas pelo próprio e
vestidas com paramentos costurados pelas atrizes-cantoras) estão dispostas em pedestais ou cubos em diferentes pontos da sala
de espetáculo.
Elas são conduzidas pelos intérpretes, uma a uma, sob o respectivo hino, a uma mesa posicionada
no centro do palco. O público
acompanha tudo sentado. Não é
uma procissão, formato de alguns
trabalhos de Lima.
Ao final, se configura o presépio. No interior e no Nordeste do
país, os membros da irmandade
que montam a festa sagrada, também conhecida por lapinha, costumam fazer doações aos santos
que permanecem expostos em
dezembro e início de janeiro.
"É como se você fosse montando o presépio na sala de visita de
sua casa, com imagens pequeninas trazidas por uma pessoa que
vem do quarto com um anjo, outra da cozinha com uma Maria,
outra da porta de entrada com José, e assim por diante", ilustra a
atriz Mônica Nassif, 29.
Ela integra a Cia. Circo Branco,
braço do conjunto cênico-musical As Pastorinhas, que acompanha Lima desde "Auto da Paixão", há dez anos, e aqui é apelidado Banda da Irmandade das
Almas de Belém.
Lima tem apreço em "renomear" o conjunto quando este
não está representado pelas 12
"pastorinhas", algumas com trabalhos paralelos e ora impedidas
de participar. Mas estão ali a
maioria, como Miriam Maria, Tata Fernandes, Edna Aguiar e Simone Julian, que compartilham a
cena com convidados.
É uma cantoria, mas não está
longe de um auto sacramental, de
uma composição dramática.
Sobrinho do escritor paraibano
Ariano Suassuna, Romero de Andrade Lima, 46, afirma ter consciência de "cuidados" quando se
apropria de uma tradição popular, sobretudo no âmbito da fé,
para recriá-la em um espaço de
ruptura como é o da veloz São
Paulo desses dias.
"Se a gente levar este "Presépio
da Paz" para uma cidade do interior de São Paulo, por exemplo, a
população não vai entender que
somos artistas, que estamos "recelebrando" uma tradição. Vão pensar que se trata de um reisado de
verdade, que veio de uma cidade
vizinha", diz Lima.
Unindo dança, cantoria e cortejo, o reisado acontece nas festas
que antecedem o Dia de Reis (6 de
janeiro).
"É uma apropriação que o
mundo do teatro permite", afirma o artista que mantém ateliê
em Recife e debandou para as artes cênicas por conta de uma encenação que criou para o vernissage de uma exposição sua numa
galeria de São Paulo, em maio de
1993. Deu em "Auto da Paixão".
PRESÉPIO DA PAZ - Concepção e
direção: Romero de Andrade Lima. Com:
Cia. Circo Branco/Banda da Irmandade
das Almas de Belém (Eduardo Aguiar,
Guto Togniazzolo, Lelena Anhaia, Maria
Cristina Marconi, Tina Simião, Nina
Blauth, Rita Martins, Gustavo Machado e
outros). Onde: Itaú Cultural (av. Paulista,
149, tel. 0/xx/11/3268-1776). Quando:
estréia hoje; qui. a sáb., às 19h30.
Quanto: entrada franca. Até 20/12.
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