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São Paulo, quinta-feira, 04 de dezembro de 2003

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Santo Forte

Romero de Andrade Lima e a Cia. Circo Branco celebram noteatro o presépio popular com 13 esculturas e cantorias

VALMIR SANTOS
DA REPORTAGEM LOCAL

Conhecido pela encenação e cantoria de autos sacramentais, por vezes profanos, como "Auto da Paixão - 12 Cânticos de Amor e Morte" (1993), o artista plástico pernambucano Romero de Andrade Lima concebe sua versão do nascimento de Jesus com acento na cultura popular.
A cena de origem do menino que "nasceu em Belém, na Judéia, ao tempo do rei Herodes", como relata Matheus em seu Evangelho, é transportada para o universo dos santeiros do povo, aqueles que esculpem imagens de barro, madeira, papelão e pano.
À fabricação dos santos pelos homens, somam-se as roupas bordadas pelas mulheres, as bandeiras e os hinos que remetem à história das imagens sacras.
No espetáculo cênico-musical "Presépio da Paz", são incorporadas 13 estátuas que medem de três a quatro palmos de altura cada uma. Elas reproduzem Jesus, Maria, José, os pastores, os ciganos e os reis.
A idéia é seguir os passos de são Francisco de Assis (1181-1226), que, para irradiar devoção, lançou em Greccio, na Itália, na noite de Natal de 1223, os fundamentos do culto popular ao presépio -do latim "praesepiu", que designa a manjedoura onde o Menino Jesus foi posto ao nascer.
O santo mandou preparar o presépio dentro de uma paisagem natural, em meio a palha, o boi e o burrico.
Na encenação de Lima, que estreou em 2001 no Sesc Belenzinho e agora ganha temporada de três semanas no Itaú Cultural, 13 estátuas (esculpidas pelo próprio e vestidas com paramentos costurados pelas atrizes-cantoras) estão dispostas em pedestais ou cubos em diferentes pontos da sala de espetáculo.
Elas são conduzidas pelos intérpretes, uma a uma, sob o respectivo hino, a uma mesa posicionada no centro do palco. O público acompanha tudo sentado. Não é uma procissão, formato de alguns trabalhos de Lima.
Ao final, se configura o presépio. No interior e no Nordeste do país, os membros da irmandade que montam a festa sagrada, também conhecida por lapinha, costumam fazer doações aos santos que permanecem expostos em dezembro e início de janeiro.
"É como se você fosse montando o presépio na sala de visita de sua casa, com imagens pequeninas trazidas por uma pessoa que vem do quarto com um anjo, outra da cozinha com uma Maria, outra da porta de entrada com José, e assim por diante", ilustra a atriz Mônica Nassif, 29.
Ela integra a Cia. Circo Branco, braço do conjunto cênico-musical As Pastorinhas, que acompanha Lima desde "Auto da Paixão", há dez anos, e aqui é apelidado Banda da Irmandade das Almas de Belém.
Lima tem apreço em "renomear" o conjunto quando este não está representado pelas 12 "pastorinhas", algumas com trabalhos paralelos e ora impedidas de participar. Mas estão ali a maioria, como Miriam Maria, Tata Fernandes, Edna Aguiar e Simone Julian, que compartilham a cena com convidados.
É uma cantoria, mas não está longe de um auto sacramental, de uma composição dramática.
Sobrinho do escritor paraibano Ariano Suassuna, Romero de Andrade Lima, 46, afirma ter consciência de "cuidados" quando se apropria de uma tradição popular, sobretudo no âmbito da fé, para recriá-la em um espaço de ruptura como é o da veloz São Paulo desses dias.
"Se a gente levar este "Presépio da Paz" para uma cidade do interior de São Paulo, por exemplo, a população não vai entender que somos artistas, que estamos "recelebrando" uma tradição. Vão pensar que se trata de um reisado de verdade, que veio de uma cidade vizinha", diz Lima.
Unindo dança, cantoria e cortejo, o reisado acontece nas festas que antecedem o Dia de Reis (6 de janeiro).
"É uma apropriação que o mundo do teatro permite", afirma o artista que mantém ateliê em Recife e debandou para as artes cênicas por conta de uma encenação que criou para o vernissage de uma exposição sua numa galeria de São Paulo, em maio de 1993. Deu em "Auto da Paixão".


PRESÉPIO DA PAZ - Concepção e direção: Romero de Andrade Lima. Com: Cia. Circo Branco/Banda da Irmandade das Almas de Belém (Eduardo Aguiar, Guto Togniazzolo, Lelena Anhaia, Maria Cristina Marconi, Tina Simião, Nina Blauth, Rita Martins, Gustavo Machado e outros). Onde: Itaú Cultural (av. Paulista, 149, tel. 0/xx/11/3268-1776). Quando: estréia hoje; qui. a sáb., às 19h30. Quanto: entrada franca. Até 20/12.



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