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Rushdie lança livro e acusa Paquistão
"Ocidente deve exigir que o governo paquistanês coloque a casa em ordem"
Autor anglo-indiano lança no Brasil "A Feiticeira de Florença", romance que se passa no século 16 e faz mistura de ficção e história
SYLVIA COLOMBO
DA REPORTAGEM LOCAL
Há dias Salman Rushdie anda pendurado ao telefone e
mandando vários e-mails.
Nascido em Mumbai, o autor
anglo-indiano quer ter certeza
de que seus amigos e parentes
estão todos vivos e seguros
após os ataques terroristas na
Índia, na semana passada, que
mataram mais de 170 pessoas.
O autor, que lança agora no
Brasil o seu mais recente romance, "A Feiticeira de Florença", conta que não perdeu ninguém próximo. "Mas a maioria
de meus conhecidos sabe de alguém que morreu nos atentados", contou à Folha, em entrevista feita por telefone, de
Londres, onde vive.
Rushdie, 61, ficou conhecido
mundialmente por conta da
ameaça de morte lançada contra ele pelo iraniano aiatolá
Khomeini contra seu livro "Os
Versos Satânicos" (1989).
Mais de uma década depois,
quando Nova York, Madri e
Londres foram alvo de ações
terroristas, o autor declarou
que tudo era parte do mesmo
processo. Agora, diz ele, os ataques a seu país vêm se somar a
esse pacote, resultado da escalada terrorista internacional,
ainda que por grupos diferentes. "No caso dessa última tragédia, ainda se sabe pouco. Mas
todas as trilhas apontam para o
Paquistão. A dúvida paira apenas sobre o quanto o governo
paquistanês está envolvido."
Para ele, o Ocidente precisa
parar de oferecer dinheiro e armas incondicionalmente ao
país vizinho da Índia. "Os EUA,
principalmente, os ajudam
sem pedir uma contrapartida.
É preciso exigir que coloquem
a casa em ordem, que deixem
de tolerar, ou mesmo de encorajar os grupos terroristas que
têm uma base ali", conclui.
Ficção e história
Em "A Feiticeira de Florença", Rushdie volta a trabalhar
com a mistura de ficção com
história, mitos e lendas que
marca suas obras.
O enredo se passa no século
16, na Europa e na Índia, e envolve personagens reais com
imaginários. Entre os primeiros estão o imperador Akbar, o
Grande, Nicolau Maquiavel e
membros da família Médici,
que se celebrizou por patrocinar artistas renascentistas.
As conexões entre Oriente e
Ocidente, outro tema constante no universo de Rushdie, são
o pano de fundo do romance.
"Os ecos daquele tempo estão presentes hoje. Somos desde sempre a mesma espécie,
nosso comportamento não muda tanto através dos tempos.
Assim como naquele mundo
havia disputas por poder, desejos de vingança, disputas religiosas, mas também histórias
de generosidade e tolerância,
da mesma maneira vivemos
atualmente. A natureza humana é a mesma, em qualquer período da história."
No centro dessas possíveis
analogias com o mundo de hoje
está a figura de Akbar (1542-1605). Líder importante da história indiana desse período,
Rushdie decidiu explorar seus
dilemas pessoais.
Os fatos históricos relacionados à sua cronologia são corretos, mas seus sentimentos e
reações, inventados. "Eu o admiro por ter sido um governante muito à frente de seu tempo.
Em tempos de guerra, conquistas e vingança, teve uma preocupação pela busca de uma harmonia e pela diplomacia."
O fato mais intrigante sobre o
imperador, para Rushdie, é a
mistura, em sua personalidade,
de dois elementos aparentemente contraditórios. "Era um
tirano e não estava nada interessado em não sê-lo. Por outro
lado, queria promover a paz."
Outro elemento histórico explorado por Rushdie é a bruxaria. No livro, as bruxas são lindas "e não têm nariz grande e
feições assustadoras, como nos
fez crer a arte européia. Eram
mulheres que conviviam com
uma realidade dupla. Encanto e
sensualidade as faziam especiais. Mas elas também morriam queimadas se fossem acusadas de práticas diabólicas".
Influência
Rushdie admite a forte influência da literatura do italiano Italo Calvino (1923-1985) na
construção do mundo fantástico de "A Feiticeira". "A atmosfera de encanto e a forma como
descrevo o maravilhoso têm
muito a ver com as leituras que
fiz de suas obras, em especial
"As Cidades Invisíveis"."
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