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Pimenta na TV
Diretor de especial da Globo sobre Elis Regina faz críticas à emissora e a Caetano, Chico, João Bosco e Cesar Camargo Mariano por não falarem ao programa
SILVANA ARANTES
LAURA MATTOS
DA REPORTAGEM LOCAL
"Hoje, na Globo, somente a
audiência interessa"; o trecho
sobre o uso de drogas, que levou à morte a cantora Elis Regina, "foi cortado" de "Por Toda a
Minha Vida", "poucas horas antes" de o especial ir ao ar.
Mais: Chico Buarque, Caetano Veloso e João Bosco não
participaram do programa, exibido na quinta-feira, dia 28, pela Globo, porque "fizeram doce"; o pianista e arranjador Cesar Camargo Mariano, último
marido de Elis e pai de dois de
seus três filhos, "fugiu da raia".
As declarações acima são do
cineasta João Jardim, contratado pela Globo para dividir a
direção de "Por Toda a Minha
Vida" com Ricardo Waddington, diretor de núcleo da emissora e responsável pela concepção do especial sobre a cantora.
Jardim fez as afirmações em
carta à
jornalista e crítica de cinema
Maria do Rosario Caetano, para
publicação no fanzine "Almanakito", editado por ela, com
distribuição só pela internet.
Caetano, ao avaliar o especial, afirma não haver entendido "o pudor em falar da morte"
de Elis (1945-1982) nem "por
que Chico Buarque ficou ausente". A carta de Jardim respondia a essas críticas e ia além.
Docudrama
Para o especial de final de
ano da Globo a respeito da vida
de Elis, cuja morte completará
25 anos no próximo dia 19,
Waddington optou pelo formato docudrama, semelhante ao
utilizado pelo "Linha Direta",
com atores dramatizando fatos
reais. Visto que essa não é sua
especialidade, convidou Jardim para ser co-diretor. O cineasta é autor dos premiados
documentários "Janela da Alma" (com Walter Carvalho),
sobre o olhar, e "Pro Dia Nascer
Feliz", que estréia em 2/2 e
aborda a educação no Brasil.
Waddington foi informado
pela Folha sobre a carta de Jardim. "Adoro o trabalho dele.
Agora vou ligar para ele com
uma certa surpresa, perguntando: "João, o que aconteceu?"
(leia mais ao lado).
Em "Por Toda a Minha Vida", a atriz Bianca Comparato
viveu Elis na adolescência, e
Hermila Guedes ("O Céu de
Suely"), na fase adulta. Foram
exibidas cenas reais de shows e
entrevistas de Elis, além de declarações de amigos e familiares a Fernanda Lima, apresentadora do especial (disponível
no www.youtube.com).
A exibição rendeu boa audiência (32 pontos de média e
36 de pico no Ibope da Grande
SP) e muita polêmica na internet. Alguns fãs da cantora
aprovaram o tributo; outros
questionaram o viés da Globo.
Entre as críticas, sobressaem-se, além da ausência de
alguns artistas, a omissão do
nome da Record (na qual ela
apresentou, ao lado de Jair Rodrigues, "O Fino da Bossa") e o
modo como a morte foi retratada. O especial da Globo foi breve ao tratar o tema e não mencionou a causa de sua morte.
A polêmica foi apimentada
anteontem, com a divulgação
da carta de Jardim. Em entrevista à Folha, o diretor procurou atenuar o tom de seu texto.
Afirmou que "não é negativo
nem pejorativo" seu comentário sobre a suposta preocupação exclusiva da Globo com audiência. "É uma TV comercial.
Ela tem de se preocupar com a
comunicação com o público."
O diretor contou que propôs
a Cesar Camargo Mariano que
respondesse a seis perguntas
para o especial. "Ele [Mariano]
disse que não se oporia a participar do programa, mas que
gostaria de poder assistir [antes de ir ao ar] ou ter contato
com o roteiro definitivo."
Jardim disse achar "de certa
forma justificável" a exigência
de Mariano, mas afirmou que
"esse é um precedente que a
Globo não poderia abrir nem
para ele nem para ninguém".
A Folha tentou contato com
Mariano, que vive nos EUA,
mas não conseguiu localizá-lo
até a conclusão desta edição.
Tempo "privilegiado"
Segundo Jardim, a produção
de "Por Toda a Minha Vida"
consumiu quatro meses, sendo
dois com a realização de entrevistas, "o que é um tempo privilegiado para os padrões da TV".
Sobre as ausências de Chico,
Caetano e João Bosco no programa, afirmou que "eles não se
disponibilizaram na urgência
da televisão, mas também não
foi nada desagradável".
As assessorias de Chico e
Caetano informaram à Folha
que os músicos não comentariam o episódio. A assessoria de
Bosco solicitou que o pedido de
entrevista fosse feito por e-mail, afirmando que ele responderia se julgasse necessário, o que não ocorreu até o fechamento desta edição.
Em relação à decisão de suprimir o relato da causa da
morte de Elis -por complicações decorrentes da ingestão
de drogas e álcool, segundo laudo médico-, Jardim afirmou
que o programa tentou evitar
"fazer o que a imprensa sempre
faz, que é tratar a morte dela de
forma sensacionalista".
Na opinião da jornalista e escritora Regina Echeverría, autora da biografia "Furacão
Elis", ao fazer essa opção, "o
programa oculta a verdade e
trai a personalidade de Elis,
que não tinha medo, era o que
era e sempre se declarou".
Jardim afirma que só haveria
sentido em falar da morte de
Elis com a revelação de novos
dados. "Já que todo mundo já
sabe como ela morreu e não vamos acrescentar nada novo,
por que ficar martelando na
mesma coisa desagradável, 25
anos depois?", questionou.
Sobre a questão da morte e
outras críticas, Ricardo Waddington disse que o programa é
uma obra autoral.
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