São Paulo, terça-feira, 05 de janeiro de 2010

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"TVs abertas desistiram da produção infantil"

Beth Carmona volta à TV Cultura como consultora de programação infantil

Especialista em produção destinada a crianças, ela diz que fazer produto infantil original custa caro e tem mercado comercial difícil

ANA PAULA SOUSA
DA REPORTAGEM LOCAL

Passados 12 anos desde que deixou a TV Cultura, Beth Carmona retorna à emissora neste ano, como consultora da programação infantil. Foi durante a temporada de Carmona (1987-1998) que a rede levou ao ar programas como "Castelo Rá-Tim-Bum" e "O Mundo da Lua", que chegou a atingir 12 pontos no Ibope. "A TV aberta só exibia programa para criança de manhã, e sempre no universo das loiras", lembra ela.
Após sair da emissora pública paulista, ela passou por Discovery Kids e Disney Fox Kids Brasil. Em 2003, voltou ao sistema público, como presidente da TVE, de onde saiu em 2008. Na entrevista a seguir, Carmona discute os rumos da programação infantil no Brasil.

 

FOLHA - Depois de 15 anos, o que mudou na programação infantil?
BETH CARMONA - Hoje, a TV por assinatura existe e oferece 24 horas de programação infantil. Esses canais, além de produzir, passaram a comprar programas. O que eu noto é um desinteresse, ou até uma desistência, da TV aberta de trabalhar com crianças. Até pouco tempo, a Globo fez o "Sítio do Pica-Pau Amarelo", mas parou. Record, SBT e RedeTV! desenterram os desenhos japoneses e o "Pica-Pau". Sobraram somente as TVs públicas.

FOLHA - Mas sobrou pouco, não?
CARMONA - A Cultura viveu daqueles programas e pouco se renovou. A dispersão de gente, a rotatividade das direções, comum nas TVs públicas em geral, é um problema. Mas o "Cocoricó" continuou e cresceu.

FOLHA - Por que o desinteresse da TV aberta?
CARMONA - Fazer produto infantil original custa muito caro. Fazer novela também, mas tem anunciante. As áreas comerciais sabem que o mercado de produto infantil é difícil.

FOLHA - Por quê?
CARMONA - A publicidade nos programas infantis está em xeque. Cada vez mais se fala em alimentação saudável, consumo consciente. Várias ONGs têm se mobilizado em torno dessas questões. A sociedade deixou de aceitar certas coisas e a publicidade está retraída. Os anunciantes não querem aparecer como vilões. Por outro lado, sem anunciantes, como se paga a programação infantil?

FOLHA - Em alguns países europeus, a publicidade infantil não é permitida e, ainda assim, há programas no ar.
CARMONA - A maioria dos países têm restrições, mas poucos têm proibição total. Mas nesses lugares o Estado paga a conta. Nos Estados Unidos, por outro lado, pode tudo. Aqui, alguns institutos defendem que a publicidade seja banida dos programas para crianças. Mas, num país como o Brasil, é preciso tomar cuidado com esse radicalismo. Se não houver programas infantis, as crianças verão programas adultos. Como já fazem, aliás.

Folha - Qual a saída?
CARMONA - Há os apoios culturais, como os da TV Cultura, e também começam a surgir outros formatos, com empresas bancando programas inteiros, pensando também na responsabilidade social.

FOLHA - Mas, se a gente pensar que só 5% da população brasileira tem TV a cabo e que as pessoas passam, em média, cinco horas em frente à TV, esse dado é preocupante, não?
CARMONA - Essa é minha bandeira, e o único espaço onde acho que conseguimos fazer um trabalho bacana foi na TV pública. Tenho visto pesquisas que mostram que os pré-adolescentes e adolescentes estão cada vez mais longe da TV. A TV não conseguiu responder a eles de maneira satisfatória.


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