RÉGIS BONVICINO
especial para a Folha


A poesia brasileira está estagnada. A quantidade de lançamentos e novos poetas não traz, na maior parte dos casos, a qualidade do ser contemporâneo, daquele que se transforma com o seu próprio tempo.
É como se ela vivesse do "passado", que foi atual. Seus melhores nomes são os que enfrentaram, com inventividade, os reptos do pós-guerra e que, hoje, são centrais, com trabalhos fundantes: Haroldo de Campos, Augusto de Campos, Ferreira Gullar e outros.
Em consequência, prevalecem os seguidores de "escolas" (excetuaria, entre outros, a poeta Josely Vianna Baptista). "Boudoir", nova coletânea do excelente cineasta Silvio Back, surge nesse panorama. E nela, em seu caráter erótico,pode-se perceber o desejo de se romper com o um certo bom-mocismo. Sua estratégia é a de se valer do palavrão, da palavra rasgada, para aproximar a poesia de uma situação menos formal. E há no livro bons poemas.
Todavia existem dúvidas de que essa "erótica" de Silvio não resolve plenamente. O palavrão aparece sempre como modo de confronto, em períodos mais conservadores, como o de agora. Então, ele mesmo, palavrão, poderia ser um clichê. Há, no entanto, peças nas quais se ouve uma voz mais original : "coisa-fazes-coito-falos-coisa-falas / coito-fezes-coisa-feres-coito-fetos ...". Mesmo se utilizando de um "vocabulário" concretista previsível -os trocadilhos fazem sentido ao chamar a atenção para a materialidade do corpo e surpreendentemente até da fala. Algumas vezes, o mero uso do baixo calão se traduz apenas em "baixo calão" como em "o clitóris de Dóris", que se inicia com beleza em "oh clitóris de Dóris/ -favo de incenso/ a dedo acendo...", para se perder na pobreza: "oh clitóris de Dóris/ -bala azedinha/ à saliva embalo".
Embora inquieta, querendo vencer a falta de imaginação, a poesia de Silvio, neste livro, mostra-se mais como negação de um "status quo" do que como afirmação. Merece ser lida como evidência de que os criadores começam a se mover em novas direções.

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