São Paulo, #!L#Sábado, 05 de Fevereiro de 2000


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COMENTÁRIO
Antes do vestido, não existia o amor

GILBERTO VASCONCELLOS
especial para a Folha

O singularíssimo filósofo Tobias Barreto dizia que antes de haver vestidos não havia mulheres, portanto não existia amor. Ou seja: vestido, mulher, amor.
O modo de se vestir. A aparência e a essência.
Você só se apaixona vestido, seja qual for depois o tipo de contato com a pessoa amada. O amor à primeira vista pressupõe a existência de roupa. A nudez vem depois. Com que roupa. É esse o metafísico samba de Noel Rosa. O meu amor não sabe se vestir soa provocação pop, cuja turminha tem por máxima vestir-se com pano excêntrico, como se existisse moda nova no mundo: "novo" nesse terreiro apenas recém-nascido.
Ninguém inventa moda nova.
Barba grande. Cabelos compridos. Cabelinho curto. Xampu sem pentear. Do tipo pixaim "in". Isso tudo mostra que a moda é o "medium". As moças e os rapazes da década de 70 estavam vestidos conforme a política da época. Cada testemunho de geração é documento sobre a maneira de se vestir. A gíria é moda. A palavra adequada é "brincar", "trepar" ou "ficar".
A moda é cíclica, mesmo depois do aparecimento da fotografia, do cinema e da TV. Os cabelos compridos do presidente da República quando este era jovem são revivescência do poeta Charles Baudelaire, que pintava sua cabeleira de verde. Teophile Gautier exibia os cabelos até os ombros antes dos festivais udistoques. Oscar Wilde metia girassol na lapela. Cláudio Abramo usava bengala. Fernando Collor punha camisetas com apotegmas nos fins-de-semana.
O primeiro presidente da República a inaugurar o riso foi Getúlio Vargas, depois da Revolução de 30. O escritor Machado de Assis nunca riu, tal qual Jesus Cristo. Em contrapartida, o político Jotaká ria demais.
O pôster. O cartaz. O aparelho de som no quarto de dormir sem cama, apenas o colchão rente ao chão. Os pés descalços. A calça aposentando a cueca. O fim do alfaiate masculino. A alma sem sexo. Tudo isso é moda, Horácio.
O rosto é a parte do corpo que mais aparece na televisão. A bunda perde para o close no rosto. O homem moderno vive a angústia do envelhecimento. A prótese contra o tempo. Decorre daí a importância vital da cirurgia plástica. Esta deveria ser a palavra de ordem democrática: dr. Pitanguy para todos! Evidentemente um senador do PFL não se veste que nem Che Guevara. O cinema, dizia Jean-Luc Godard, não faz parte da indústria da comunicação, mas sim da indústria dos cosméticos.
O beijo roliudiano do mocinho na mocinha nos faz esquecer que o beijo originalmente nasceu na Ásia.


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