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COMENTÁRIO
Antes do vestido, não existia o amor
GILBERTO VASCONCELLOS
especial para a Folha
O singularíssimo filósofo Tobias Barreto dizia que antes de
haver vestidos não havia mulheres, portanto não existia amor.
Ou seja: vestido, mulher, amor.
O modo de se vestir. A aparência e a essência.
Você só se apaixona vestido,
seja qual for depois o tipo de
contato com a pessoa amada. O
amor à primeira vista pressupõe
a existência de roupa. A nudez
vem depois. Com que roupa. É
esse o metafísico samba de Noel
Rosa. O meu amor não sabe se
vestir soa provocação pop, cuja
turminha tem por máxima vestir-se com pano excêntrico, como se existisse moda nova no
mundo: "novo" nesse terreiro
apenas recém-nascido.
Ninguém inventa moda nova.
Barba grande. Cabelos compridos. Cabelinho curto. Xampu
sem pentear. Do tipo pixaim
"in". Isso tudo mostra que a moda é o "medium". As moças e os
rapazes da década de 70 estavam
vestidos conforme a política da
época. Cada testemunho de geração é documento sobre a maneira de se vestir. A gíria é moda.
A palavra adequada é "brincar",
"trepar" ou "ficar".
A moda é cíclica, mesmo depois do aparecimento da fotografia, do cinema e da TV. Os cabelos compridos do presidente
da República quando este era jovem são revivescência do poeta
Charles Baudelaire, que pintava
sua cabeleira de verde. Teophile
Gautier exibia os cabelos até os
ombros antes dos festivais udistoques. Oscar Wilde metia girassol na lapela. Cláudio Abramo
usava bengala. Fernando Collor
punha camisetas com apotegmas nos fins-de-semana.
O primeiro presidente da República a inaugurar o riso foi Getúlio Vargas, depois da Revolução de 30. O escritor Machado
de Assis nunca riu, tal qual Jesus
Cristo. Em contrapartida, o político Jotaká ria demais.
O pôster. O cartaz. O aparelho
de som no quarto de dormir sem
cama, apenas o colchão rente ao
chão. Os pés descalços. A calça
aposentando a cueca. O fim do
alfaiate masculino. A alma sem
sexo. Tudo isso é moda, Horácio.
O rosto é a parte do corpo que
mais aparece na televisão. A
bunda perde para o close no rosto. O homem moderno vive a
angústia do envelhecimento. A
prótese contra o tempo. Decorre
daí a importância vital da cirurgia plástica. Esta deveria ser a palavra de ordem democrática: dr.
Pitanguy para todos! Evidentemente um senador do PFL não
se veste que nem Che Guevara.
O cinema, dizia Jean-Luc Godard, não faz parte da indústria
da comunicação, mas sim da indústria dos cosméticos.
O beijo roliudiano do mocinho na mocinha nos faz esquecer que o beijo originalmente
nasceu na Ásia.
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