São Paulo, Sexta-feira, 05 de Fevereiro de 1999
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Emanuelle Araújo é elitização do Carnaval


PAULO VIEIRA
especial para a Folha, em Salvador

A progressiva elitização do Carnaval baiano acaba de ganhar seu mais perfeito emblema: deixa a Banda Eva Ivete Sangalo, 26, baiana de Juazeiro, voz rude de interiorana, contralto, joanete, entra Emanuelle Araújo, 22, baiana de Salvador, curso superior de biologia não concluído, filha de comerciante e professora universitária, base financeira "bacana, mas sem luxos", soprano, feições delicadas, pés impecáveis.
A substituição causou frisson entre as muitas candidatas a candidata, mas foi decidida aparentemente sem conflito no interior das organizações Eva: Emanuelle foi aprovada pelos sete sócios do bloco e pelo estafe artístico da banda -que tem outro regimento- após um show solo em que cantava sua música funk "de raiz baiana", como define.
Foi em meados de 98, embora a comunicação oficial da troca só tenha se dado mais tarde. Excursionando pela Europa com o grupo Eva durante a Copa, o saxofonista e arranjador Paulinho Andrade foi chamado às pressas à Bahia para começar a preparação da nova cantora. Era o início, intramuros, da sucessão.
Emanuelle passou os últimos anos se balançando entre a música e o teatro. Aos 15, subia em trios elétricos com a Bier Banda (no qual também começou Sangalo), mas antes disso já participava de uma companhia de teatro infantil -apoiada por verbas oficiais-, levando textos de Maria Clara Machado e musicais leves. Aprofundou-se na faculdade, transferindo-se da biologia para o teatro na mesma Universidade Federal da Bahia, seguiu o método Stanislavski, montou esquetes de Nelson Rodrigues e fez workshop de Shakespeare.
Tudo isso seria conversa de hebdomadário, se Emanuelle não assumisse o lugar de Ivete, que levou o Eva à marca de 3 milhões de cópias vendidas, entre outros feitos. "Sinto-me lisonjeada por ter sido escolhida. Dá um friozinho na barriga pensar na responsabilidade, mas confio muito em mim. Não tenho grande experiência, tenho alguma, e vou levá-la para esse trabalho."
As duas mal trocaram "experiências" durante o tempo comum de Eva. "Nos batemos algumas vezes na academia de ginástica, somos sócias da mesma", diz Emanuelle. E de novo: "Tenho a preocupação de ser muito eu, não estou começando agora, tenho personalidade. Encaro estar no Eva como estar numa peça de teatro em que existe um personagem, e cada ator dá uma interpretação a ele".
Ivete evita a polêmica. Chama Emanuelle de "figura muito simpática", rechaça o termo "substituta" e sai-se com o aforismo "se a escolheram, é porque era para ser ela".
Emanuelle fará seu debute no Carnaval temporão de Porto Seguro, daqui a duas semanas (a terminologia inclui expressões como quinta e sexta-feira "de cinzas") e, além dos ensaios exaustivos, trata de afinar o discurso com o da banda. "Sempre gostei do Eva, a banda consegue passar a energia da Bahia com astral e uma música de qualidade, de cuidado." Sabe que vai enfrentar uma maratona de shows inacreditável -cerca de 20 por mês, incluindo micaretas. E ela terá de participar de todos, pois o Eva, diferentemente do Olodum, não tem um "Expressinho". Os compromissos com a mídia já se avolumam (gravou "Fantástico" e "Vídeo Show", é capa da "Nova" deste mês). Já em março o Eva pretende gravar um show que dará em Salvador. Com a inclusão no repertório de quatro inéditas, e previsão para junho, é o disco da Banda Eva de 99. Durante seus primeiros shows, Emanuelle e Ivete -esta na carreira solo- deverão dividir o mesmo repertório.
Afinal, músicas como "Arerê" e "Alô, Paixão" são sucessos espalhafatosos e sempre pedidas pelo público. Foram escritas por um banco de compositores para o Eva. Elas estão recebendo novos arranjos para a voz de Emanuelle.
"Carro Velho", um dos últimos sucessos do grupo, em que Ivete canta com extrema perícia acima do seu tom, escapa do esquema, tendo sido composta pela própria intérprete, já visando sua carreira solo.
Emanuelle assinou contrato de três anos, tem direito a participações de porcentagens de bilheteria e contratos publicitários (o Eva tem acordos com a Brahma e a Telebahia). É empresariada por Jorge Sampaio -sócio do Eva e grande impulsionador da carreira de Daniela Mercury e Ara Ketu.
No meio do turbilhão, Emanuelle percebeu que acabou por sepultar seus planos de um ano atrás, quando tentou se lançar como cantora, naquele repertório de funk. Já tem uma música composta especialmente para ela tocando em rádios de Salvador, "40 Graus". "Nem por um momento hesitei em vir para o Eva. As pessoas dizem que vai ser meu maior trampolim, mas para mim isso já é o salto."


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