São Paulo, sábado, 05 de março de 2005

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MEMÓRIA/"RAJADAS DA HISTÓRIA"

Militar russo conta trajetória da AK-47

RICARDO BONALUME NETO
DA REPORTAGEM LOCAL

Há duas maneiras de ler "Rajadas da História - O Fuzil AK-47 da Rússia de Stálin até Hoje", o livro do projetista de armas russo Mikhail Kalachnikov. Há o aspecto técnico, que conta a história da mais famosa arma de fogo da última metade de século. E há a vida do projetista, que resume bem as vicissitudes pelas quais passaram os russos depois da revolução bolchevique de 1917, da luta com os alemães e dos embates ideológicos do pós-guerra até o fim do comunismo.
A arma dispensa apresentações; está nos noticiários da imprensa internacional todo dia. Os fuzis automáticos da série AK -sigla em russo para "Avtomat Kalachnikova"- foram produzidos aos milhões. O primeiro modelo, AK-47, como a sigla informa, é de 1947. Depois vieram AKM, AKS, AK-74 etc, que equiparam os exércitos do mundo comunista, tanto do Pacto de Varsóvia como da China e satélites, além de terem sido usados por praticamente todos os grupos guerrilheiros e terroristas do pós-guerra.
A arma virou até emblema em bandeira nacional. A bandeira da União Soviética tinha uma foice e um martelo; a de Moçambique, ex-colônia portuguesa tornada independente por um grupo guerrilheiro marxista, traz uma AK-47 e uma enxada. Kalachnikov narrou sua vida à jornalista francesa Elena Joly, que antes de cada capítulo, faz um bom resumo da história soviética, colocando em contexto a vida do ex-sargento que se tornou general e deputado no Soviete Supremo.
O inventor não teve uma vida fácil antes de criar uma das marcas mais famosas do século 20. Sua família foi deportada para a Sibéria nos anos 30, e ele foi ferido em combate na titânica luta entre alemães e soviéticos na frente oriental de 1941 a 1945.
Kalachnikov conta em detalhe sua filosofia de projeto, seu desejo de criar uma arma poderosa para defender sua pátria. "Espero que eu permaneça na memória das pessoas como aquele que criou uma arma para defender as fronteiras de seu país, e não a arma dos terroristas", diz ele.
"Quem lhe dera!", replica a própria co-autora em seguida. Os russos nunca precisaram usar as AK para defender seu país. A arma foi usada para atacar outros -como o Afeganistão da década de 80. Guerrilheiros afegãos usaram AKs capturadas contra os próprios russos.
Ele relata quais as influências de projeto que teve, tanto russas como estrangeiras, como o fuzil americano Garand. Mas não dá o devido mérito aos alemães, que produziram fuzis automáticos antes dele e os usaram com sucesso na guerra. Comentando o AK-47, o historiador britânico John Weeks resume: "Seu enorme sucesso é na verdade um tributo distante e tardio à pequena equipe alemã que formulou suas idéias em 1938". Como os alemães tentaram mais de uma vez matar Mikhail Timofeievitch Kalachnikov, até dá pra entender a reticência em lhes dar algum crédito.


Rajadas da História
   
Autores: Mikhail Kalachnikov/Elena Joly
Editora: Jorge Zahar
Quanto: R$ 35 (176 págs.)


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